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Bem-vindo

A reinvenção a martelo dos postais algarvios

20/7/2018

1 Comment

 
Por Gonçalo Duarte Gomes

O Bruno Inácio tem escrito, nas últimas semanas, sobre ambiente.

Ele diz que não, mas temo que a bicheza “embientalista” se esteja a entranhar num coração anteriormente pétreo, vedado a qualquer sensibilidade esverdeada – honrosa excepção feita à elevada condição sportinguista que o caracteriza.

Assumidamente novato nesta temática, ainda não domina por completo os meandros, o que lhe valeu, na semana passada, algumas críticas – mais por uma questão de forma do que propriamente de conteúdo, pareceu-me.

Nesta semana, tenho eu algo a apontar-lhe, daí ter pedido à Joana para escrever na vez dela. Não um erro ou uma crítica, mas um lapso.

É que propôs-se abordar investimentos que respeitam o ambiente, mas acabou a escrever sobre o Ombria Resort...
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Não vou estar aqui a rebater detalhadamente as falácias que suportam a visão idílica que foi dada deste empreendimento. Não só porque seria tarefa maçuda para quem lê, mas também porque o Ombria Resort é apenas um sintoma, e não uma causa, do mal profundo que fustiga as paisagens algarvias.

Ainda assim, parece-me importante esclarecer que aquilo que o Bruno fez, e que, como bom profissional de marketing bem sabe, tem um nome: greenwashing (lavagem a verde, numa interpretação livre).

Ou seja, agarra num aspecto perfeitamente parcial, que pode ser entendido como ambientalmente positivo, para tentar fazer esquecer todo um passivo ambiental que se encontra a montante. Só com esses óculos é possível ver numa possível optimização das emissões de CO2 a redenção ambiental de uma obra que desfigurou uma das paisagens mais interessantes da transição Barrocal – Serra, cortando cerros, erguendo paredões de gabiões, pontes, estradas, alterando curso, leito e margens da ribeira, e alterando valores e processos ecológicos, transformando-a numa grotesca bizarria.
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Quinta Ombria antes do progresso (fonte: Sul Informação)
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Quinta da Ombria depois do progresso (fonte: Sul Informação)

Para melhor perceber isto, imagine-se que alguém nos tenta vender a destruição massiva da Amazónia como processo ambientalmente exemplar porque os bulldozers utilizados têm um painel solar para alimentar os rádios. Ou, numa comparação bastante literal, é como arrasar um pequeno bosque para lhe colocar um prédio em cima e apaziguar a consciência porque os caixilhos de portas e janelas são pintados de verde.

Naturalmente, tudo isto depende muito da consciência ambiental – cada vez menos uma questão de lirismo, e mais uma de sobrevivência – ou falta dela.

No passado já escrevi sobre isto, a propósito de outro resort, muito eco, muito friendly, muito coiso, como são todos, num texto intitulado “Algarve procura resort para relacionamento pouco sério” (disponível aqui).

Estas ideias salvadoras da região são unidas por um traço característico transversal, daí não querer demonizar esta ou aquela.

No caso do Ombria Resort, e relativamente ao projecto em si, enquanto realização intelectual nos domínios da arquitectura, da arquitectura paisagista ou das diferentes especialidades de engenharia, conheço várias pessoas que estiveram ligadas, em diferentes momentos, a essa tarefa. Não apenas as estimo e respeito – nelas se incluem amigos de quem muito gosto, mesmo – como lhes reconheço total capacidade técnica no desempenho das suas profissões, a par de plena sensibilidade para valores ambientais.

Todas elas, seguramente, fizeram o melhor que souberam e puderam, mas sempre no quadro do programa que lhes foi estabelecido.

E é aí que nos vemos chegados ao ponto em que a proverbial suína efectua a torção da porcina cauda.

O problema desta intenção, como tantas outras idênticas, sempre foi, desde o primeiro momento, um conceito e uma escala desadequada do contexto.

Conceitos e escalas de imposição e não integração. Isto introduz desequilíbrios ambientais mas também sociais e territoriais. Um exemplo, já agora, do Ombria Resort: a intenção (anunciada) de criar num pólo 385 unidades residenciais, numa freguesia que tem, no total, cerca de 552 alojamentos familiares (de acordo com os últimos censos, podendo variar qualquer coisa), é adulterar por completo o equilíbrio do modelo territorial, deslocando imediatamente a centralidade da localidade de Querença para o resort, revolucionando, de caminho, densidades e dinâmicas populacionais.

É a versão contemporânea, turística e capitalista do “Grande Salto em Frente” de Mao Tsé-Tung.

É uma lógica autofágica (como o passado recente nos demonstrou) de artificialização instantânea, de substituição de ecossistemas e modelos sociais, adulterando os equilíbrios existentes e não conciliando novos usos com os valores e recursos originais.

Recuperando uma metáfora que me parece feliz, o Algarve é aquela moça bonita, recatada, que se vê permanentemente assediada por resorts galifões, malandrecos e um bocado abrutalhados. Deslumbrados com alguma inocência e virgindade residual, e dominados por um espírito algo taxista, prometem-lhe arrebatados romances de andaime. “Vem, levo-te da parvónia ao futuro em meia dúzia de eco-friendly-trendsetter-gamechanger-bullshitter moradias com golfe associado”, sussurram-lhe ao ouvido. “Só tens que mudar tudo o que és”, insistem. Ela, provinciana e com pouco-amor próprio, lá se deixa ir, iludida, embevecida, apenas para mais tarde dar por si estragada, incaracterística, banal.

E trocada por outras novidades.

Por isso mesmo, esta cantiga do bandido, de que para ser bom o Algarve tem que se prostituir, travestir e abdicar daquilo que é realmente, reinventando a martelo os seus postais, só engana quem quer ser enganado.
​
Por muito pigmento verde que se tente juntar à banha da cobra.
1 Comment
Filipe Monteiro
8/12/2020 18:06:37

Ainda não me tinha ocorrido, talvez por preguiça mental, desleixo mas sobretudo por tranquilidade, de te dar os meus sinceros parabéns, não pela prosa mas pelo que ela contém a todos os níveis. Esta coisa do Facebook tem o seu lado positivo e um deles não sei porquê, é que me vão aparacendo textos fantásticos produzidos por gente fantástica com uma fantástica forma de exprimir o bom senso. O caso do Gonçalo não é único, no entanto é o que mais me aparece nas publicações, talvez por escrever com alguma regularidade o que também vem expresso no há vontade determinação, lucidez, sarcasmo qb compostura com que domina a palavra da pena. Parabéns e continua e que a tua prosa possa influenciar se não outros, pelo menos a tua geração de arquitectos paisagísticos que por sua vez devem sair do amorfismo e lutar pelos fundamentos dos teus textos.
Abraço
F. Monteiro

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