Por Gonçalo Duarte Gomes Ontem foi feriado. Diz que é por causa da implantação da república cá no feudo, à laia de balázio e muita rebaldaria que, entre outras coisas, assassinou um dos chefes de Estado interessantes que tivemos, o D. Carlos. Mas, se houve feudo para implantar o que quer que fosse, foi porque uns aninhos antes, coisa pouca, também a 5 de Outubro, mas de 1143, o D. Afonso Henriques meteu, com ajuda clerical, o primo na ordem, e na Conferência de Zamora foi reconhecido o cantinho Portucalense já não como Condado, mas como Reino. Mas pronto, o facto é que o Reino se tornou República. Dentro de Portugal, o Algarve sempre foi uma peça algo excêntrica. Talvez por isso, e contra a maré, ainda hoje sofra grande comoção com questões relacionadas com a Monarch(ia)... 2017 tem estado a ser "O" ano do turismo em Portugal.
Desde os inúmeros sites e publicações que elegem o nosso país ou cidades ou partes dele como destinos imperdíveis até ao número recorde de pessoas que efectivamente nos visitam, passando por coisas como a bimbalhona euforia em torno da Madonna por cá estar a passar uns tempos – o que só prova que a nossa pequenez vai além da geografia, também graças a mais um degradante capítulo da miserável prestação ministerial de Constança Urbano de Sousa – juntando-se a nomes como Philippe Starck ou Monica Bellucci, tudo corre bem. Pese embora boa parte deste sucesso se deva às nossas brutais condições climatéricas, paisagísticas, culturais e humanas, bem como à nossa globalmente excepcional indústria hoteleira e de restauração, é incontornável que há também uma parte que é circunstancial, derivando da instabilidade ou derrocada completa de destinos concorrentes devido a agitação política, conflitos abertos e tragédias humanas. Mas, como o que interessa são os resultados e o presente pois o futuro “a Deus pertence” (haja fé!), o discurso em torno do turismo como alfa e ómega da economia portuguesa e do Algarve em particular atingiu o seu clímax, abafando toda e qualquer discussão em torno da diversificação. O que, bem vistas as coisas, faz sentido. Quem quer ouvir o cinzento discurso cauteloso da formiga, quando pode divertir-se ao som da música da cigarra? No caso algarvio, este colosso que é a indústria turística revelou-se há dias bipolar. Com a falência da Monarch, uma companhia britânica de aviação com perto de 50 anos de actividade, especializada na operação de circuitos de férias, centrados em torno de destinos na bacia do Mediterrâneo, a euforia transformou-se em soturna apreensão. Não apenas pelos 110.000 passageiros que terão ficado apeados um pouco por todos os destinos operados pela companhia, mas também porque no aeroporto de Faro, esta era a quarta maior transportadora aérea, em termos de quota de mercado de movimentos e de passageiros. A Monarch morreu, viva a Monarch! Ou talvez não, porque parece que ficou também pendurado nas contas dos hoteleiros do Algarve um calote de 36 milhões de euros, graças à visita de 80 mil turistas através de operadoras turísticas que não pagaram. Hospitalidade ímpar ou imparidades causadas por externalidades? Ossos do ofício, dirão outros. Ou talvez mais uma chamada de atenção para os pés de barro do colosso. Esta falência não surgiu do nada. Há pelo menos um ano que a guilhotina pendia sobre o pescoço desta rainha, altura em que, à última da hora, a Greybull Capital (principal accionista) realizou uma injecção de capital que permitiu cumprir os requisitos de salubridade financeira estipulados pelo regulador para a aviação civil britânica, conseguindo a renovação da licença de operação da companhia. Uma vez que o princípio da precaução não parece colher adeptos nas lides económicas, ninguém quis dar grande importância ao caso, e eis-nos chegados a este ponto. E o impacto desta falência ocorre não apenas ao nível dos seus efeitos directos (receitas, empregos) e imediatos, mas também da quebra de confiança das pessoas nos agentes deste circuito, juntando-se à agitação vivida pela Ryanair (só a principal companhia no aeroporto de Faro) e a outros factores de instabilidade, como o confronto de egos de dois loucos, lançando a sombra de uma guerra nuclear sobre o mundo. Se a predisposição dos outros passearem e a mobilidade fácil e barata nos falharem, como vai ser? A vulnerabilidade deste excelente negócio que temos montado no Algarve não é nova. Por isso mesmo no passado, e já por várias vezes, andámos aos papéis, quando, por humores, acidentes de percurso ou concorrência efectiva, não fomos assim tão visitados. Quando tal sucede, quebra-se a bravata turística e andamos a chorar pelos cantos, a pedir subsídios e ajudas, porque não temos alternativas. Léxico economicista à parte, a verdade é que esta externalidade – mais uma – revela o reduzido controlo que temos sobre a maior parte das variáveis que nos afectam. Que é como quem diz que vamos num barco em que o piloto segue atado ao leme, mais dependente de ventos e correntes do que da sua habilidade para orientar as velas. O que se pede é tão-só que estes “abre olhos” sirvam para aprender. O que não tem acontecido.
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