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A peça que teimosamente não encaixa...

8/1/2021

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Por Gonçalo Duarte Gomes

Os puzzles são um passatempo maravilhoso, que treina a capacidade de observação, ao mesmo tempo que promove a concentração e a abstracção dos problemas quotidianos.

Mas pode também ser uma actividade exasperante, quando não se encontra aquela peça, ou as peças teimam em não encaixar da forma como pretendemos, num claro atentado da realidade à nossa vontade. Se a coisa sucede num puzzle do Mordillo, até passa bem, pois há sempre pormenores deliciosos para nos entreter, e cedo ou tarde, damos com a solução. Mas se acontece numa reprodução de 1000 peças de um perfeito céu azul sem nuvens... é de ir aos arames.

Nesses momentos de desespero, há quem encare a perspectiva de uma busca inglória com bonomia e a encaixe pacientemente, enquanto que outras pessoas não se detêm em minudências e lançam mão à obra, moldando as peças a pedido.


O ordenamento da paisagem é também um puzzle, onde se tenta – ou deveria tentar – encaixar harmoniosamente as actividades necessárias ao progresso da nossa existência nos sistemas fundamentais do nosso meio, em equilíbrio com os sistemas e fluxos fundamentais que garantem a salubridade, a qualidade de vida, a igualdade de oportunidades pela equidade no acesso ao aproveitamento dos recursos e a solidariedade intergeracional, pela salvaguarda da capacidade de regeneração desses mesmos recursos, para satisfação das necessidades dos vindouros.

No Algarve, este puzzle tem sido alvo de algumas das mais incríveis deformações de peças, de forma a cumprir vontades que raras vezes serviram, ou servem, os interesses estratégicos (de longo curso) da região. Ou seja, depois de satisfeita a caprichosa vontade de encaixar determinada peça (um loteamento, um resort, uma infra-estrutura, uma exploração agrícola, o que seja), nem que a martelo (ignorando e/ou modificando desproporcional e profundamente as condições e dinâmicas originais e os limites impostos por esse contexto), o resultado é uma manta de retalhos disfuncional, e não aquela imagem bonitinha que a tampa da caixa do puzzle prometia...

Num tempo em que as consciências – ou, pelo menos, as palavras – evoluem para outros entendimentos do que deve ser a gestão dos delicados equilíbrios que mantêm a paisagem e nós próprios, surgem tentativas para contrariar o passado e procurar novas coerências paisagísticas, até mesmo contra os instrumentos de gestão territorial, como comprova a renovação da suspensão do Plano Director Municipal (PDM) de Loulé na zona do Almargem e do Trafal (ver aqui).

Medidas como esta surgem isoladas, aguardando as revisões dos PDM (no caso de Loulé e muitos outros municípios algarvios, em curso, noutros... em discurso) e a redefinição dos modelos paisagísticos que, esperançosamente, aportarão – se bem que, no Algarve, é preciso ter cuidado com o que se deseja...

E mais isoladas ficam no plano do confronto judicial entre as expectativas particulares goradas e os interesses públicos salvaguardados, em sede de tribunais. Porque embora essa discussão deva ser tida, por força de certos princípios constitucionais que, consagrados, devem ser observados, a jurisprudência aponta para uma fragilização dos decisores políticos quando estes optam por tomadas de posição no sentido da apresentada. Curiosamente, um PDM suspenso para acomodar uma qualquer aberração territorial, aparenta ser decisão menos sujeita a condenação...

Continua portanto por fazer um longo trabalho de fundo, cultural, estrutural, a vários níveis, com destaque para o municipal – central no modelo de municipalização neo-feudal do país, por “descentralização” – que deve lançar sobre a paisagem um olhar menos voraz e mais perspicaz.

Como têm demonstrado (ou relembrado) acontecimentos recentes nos Estados Unidos da América, a política carece de doses mínimas de realidade e seriedade. Sob pena da loucura redundar em caos e desordem, com destruição de todas as referências que permitem alguma coerência nos processos de gestão da vida comum.

O ordenamento do território, enquanto expressão espacial precisamente das políticas e das acções que sobre a paisagem as materializam, e nela as inscrevem, não é excepção, como também a realidade já se encarregou de demonstrar, com cheias, fogos, secas e outros episódios.

Num momento de questionamento de paradigmas ambientais, sociais, económicos, organizacionais, esta é uma reflexão fundamental.

Para que as crises não sirvam apenas para destruir, mas também para reinventar.
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