Lugar ao Sul
  • Sobre nós
  • Autores
  • Convidados
  • Personalidade do Ano a Sul
    • Personalidade de 2017
  • Contactos
  • Sobre nós
  • Autores
  • Convidados
  • Personalidade do Ano a Sul
    • Personalidade de 2017
  • Contactos

Bem-vindo

A paisagem a quem a vive!

1/5/2020

2 Comentários

 
Por Gonçalo Duarte Gomes

Sempre que se comemora o Dia do Trabalhador em Portugal, é inevitável evocar a Reforma Agrária.

Este conjunto de modificações, ensaiado a olho – sem leis gerais e apenas com alguns princípios de orientação redondos – maioritariamente no Alentejo e no Ribatejo, a partir do 25 de Abril de 1974, teve por objectivo uma reorganização da estrutura fundiária rural associada à produção agrícola, promovendo, de caminho, uma redistribuição administrativa da respectiva propriedade.

Dentro do ideário da própria Revolução, a ideia geral foi portanto democratizar a titularidade da terra, então concentrada em latifúndios, procurando uma melhor divisão da riqueza gerada, particularmente tendo em atenção os homens e mulheres que laboravam nos campos de sol a sol, sem que com isso alcançassem, regra geral, muito mais para além da mera sobrevivência.

A realidade, sabemo-lo, foi substancialmente diferente da ficção, quer na forma como na substância. Aliás, basta ler o olhar de António Barreto, um dos “mentores” da Reforma Agrária, para o perceber de forma cabal.

Mas ninguém pode censurar as pessoas por terem sonhado. As revoluções estão para os povos como o Natal está para as criancinhas: a malta pede o que bem entende; depois, consoante o comportamento, assim as expectativas são alcançadas em maior ou menor grau.

O Processo Revolucionário em Curso, período que mediou entre a Revolução e a aprovação da Constituição da República Portuguesa em 1976, demonstrou-o exemplarmente, principalmente que devemos ter cuidado com o que desejamos.

Ora, se nos dizem que a actual pandemia vai ser uma autêntica revolução na forma como vivemos, porque não sonhar e pedir à bruta?

Imagem
Um dos slogans incontornáveis da Reforma Agrária era o orelhudo “a terra a quem a trabalha”, aludindo ao facto de que deviam ser as costas, braços e mãos que realizavam efectivamente a lavoura as mesmas que colhiam depois a fatia de leão dos proveitos desse labor.

Pois bem, e se nesta ressaca da COVID-19, pedíssemos a paisagem para quem a vive?

Longe de movimentos de ocupação à força das paisagens, semelhantes aos que serviram de – infeliz – base inicial à Reforma Agrária, a ideia aqui seria um bocadinho diferente, mais organizada (sem ímpetos voluntaristas e de “o que é meu é meu, o que é teu é nosso”) e, esperançosamente, mais pragmática.

A Lei de bases gerais da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo, aprovada pela Lei n.º 31/2014, de 30 de Maio (LBGPPSOTU), pretende estabelecer um quadro normativo que permita, no exercício do planeamento das nossas actividades – todas as ideias, a dado momento, têm que aterrar e inscrever-se sobre o espaço físico – valorizar as potencialidades do solo, reconhecendo que este tem funções ambientais, económicas, sociais e culturais.

Quando ouvimos falar de planos ou programas de ordenamento do território, estamos na verdade a falar de, literalmente, projectar e desenhar sobre as nossas paisagens aquilo que são as nossas intenções e opções para o futuro. Políticas territoriais são um palavrão para dizer algo tão simples como: afinal o que queremos fazer com a nossa vida?

Esta lei pretende fundamentalmente assegurar que a coesão nacional sai reforçada desses exercícios de futurologia apoiada, equilibrando o fenómeno da edificação, corrigindo assimetrias regionais e assegurando a igualdade de oportunidades dos cidadãos no acesso a infra-estruturas, equipamentos, serviços e funções urbanas.

Tudo isto, claro, sob as bandeiras da sustentabilidade, da competitividade económica territorial, da criação de emprego e da organização eficiente do mercado fundiário, tendo em vista evitar a especulação imobiliária e as práticas lesivas do interesse geral.

Contido o riso, sabemos que nada disto tem acontecido em Portugal, e muito menos no Algarve.

Em particular cá no feudo regional, quase tudo é especulativo, e muito pouco é realista ou corresponde a um projecto de construção de futuro. É uma espécie de laissez-faire ao sabor de interesses pouco claros – porque descolados de uma lógica de coesão e de futuro para além do imediato –, quase sempre imobiliários, e, afinal de contas, nada sustentáveis, como se pode comprovar pela “solidez” da economia regional perante um fenómeno como a COVID-19 – que se pode revestir de muitas outras formas, não tão dramáticas, mas igualmente impactantes.

Não é que a iniciativa privada seja negativa, muito pelo contrário. Mal do Mundo se não fosse a iniciativa privada. Mas está mais do que comprovado que esta precisa de enquadramento e arbitragem.

Neste dia também ele revolucionário, peçamos então: a paisagem a quem a vive!

O estado a que chegámos não vai mudar de repente, não tenhamos ilusões. Mas a mudança tem que começar por algum lado. Em boa verdade, nós, o Estado, só podemos cobrar directamente à Administração Pública, nos seus diferentes níveis organizacionais.

Peçamos então que a Administração Pública, em definitivo, se empenhe nos processos de planeamento e ordenamento, levando-os a sério, desde logo abdicando das suas frequentemente especulativas iniciativas territoriais – infra-estruturas, equipamentos e espaços públicos (até porque aquela mesma LBGPPSOTU prevê, no seu Art.º 18.º [Reserva de solo], que se um Município não as concretizar num prazo determinado – comprando a propriedade ou de outra forma – a reserva de solo para esse fim caduca)*.

Não diga que vai fazer o que não sabe como, e saiba como fazer o que diz que fará.

​Porque há diferenças entre a paisagem que virá e aquela que há-de vir.

* um processo que tem muito que se lhe diga na sua aplicação, quer para o privado, quer para o público...
2 Comentários
Miguel
2/5/2020 18:09:43

Subscrevo (repetindo-me) a sua análise Gonçalo, e muito me agrada a variante mais politica que descreveu.
Considero-me de Esquerda, órfão de partido neste rectângulo à beira mar plantado e de Esquerda porque um Estado que fornece serviços que permitem apanhar o elevador social (saúde, educação, segurança social) sem asfixiar a sociedade civil mas regulando-a, é até ver, a melhor solução aplicada na gestão da coisa publica e na criação de bem estar.
O meu "esquerdismo" não se compadece contudo com dogmas próprios do quadrante ideológico ou de outro qualquer, e os factos falam sumamente alto quando se referem à realidade física e biológica onde habitamos, e onde infelizmente o Algarve é um case study normalmente pelos piores motivos.
As novas oportunidades para a integração multi-sectorial da paisagem existem desde que se discute os riscos da mono actividade turística e sectores de apoio à mesma, confesso que não sei como poderá isto passar da teoria à pratica; Educação, informação, correr o risco, pois muito passará pela iniciativa privada (que é aquilo que fazemos dela) e num país tão marcado pela precariedade é mais a aversão à miséria do que a aversão em arriscar por si mesmo, um problema mas compreensível.

Responder
Gonçalo Duarte Gomes
9/5/2020 19:49:29

Miguel, a paisagem é a afirmação política por excelência. Nela se inscreve a estratégia, ou falta dela, de um povo e de um tempo.
Eu não sou economista, mas entendo que os dois grandes pratos servidos na ementa ideológica contemporânea para "gestão da casa" (recorrendo à base etimológica) não representam diferenças significativas do ponto de vista dos resultados práticos. Basicamente porque a teoria marxista diverge da capitalista apenas no que concerne à organização da produção e às formas de distribuição da riqueza, mas ambas partilham a lógica do crescimento contínuo, e da desconsideração dos recursos naturais (senso lato) enquanto limite desse mesmo crescimento.
Daí que as nossas paisagens sejam de alguma forma imunes a esquerdas ou direitas. Ressentem-se, isso sim, de abordagens exclusivamente utilitaristas que, mesmo para aquelas máquinas registadoras humanóides, são erros crassos. Porque sucessivamente investem capital e património como se de receitas se tratassem, traçando assim o rumo de uma bancarrota literalmente suicida.
Um primeiro passo para conseguir inverter este estado de coisas, será conseguir apresentar estas "contas" ao grosso da sociedade...

Responder



Enviar uma resposta.

    Visite-nos no
    Imagem

    Categorias

    Todos
    Anabela Afonso
    Ana Gonçalves
    André Botelheiro
    Andreia Fidalgo
    Bruno Inácio
    Cristiano Cabrita
    Dália Paulo
    Dinis Faísca
    Filomena Sintra
    Gonçalo Duarte Gomes
    Hugo Barros
    Joana Cabrita Martins
    João Fernandes
    Luísa Salazar
    Luís Coelho
    Patrícia De Jesus Palma
    Paulo Patrocínio Reis
    Pedro Pimpatildeo
    Sara Fernandes
    Sara Luz
    Vanessa Nascimento

    Arquivo

    Junho 2020
    Maio 2020
    Abril 2020
    Março 2020
    Fevereiro 2020
    Janeiro 2020
    Dezembro 2019
    Novembro 2019
    Outubro 2019
    Setembro 2019
    Agosto 2019
    Julho 2019
    Junho 2019
    Maio 2019
    Abril 2019
    Março 2019
    Fevereiro 2019
    Janeiro 2019
    Dezembro 2018
    Novembro 2018
    Outubro 2018
    Setembro 2018
    Agosto 2018
    Julho 2018
    Junho 2018
    Maio 2018
    Abril 2018
    Março 2018
    Fevereiro 2018
    Janeiro 2018
    Dezembro 2017
    Novembro 2017
    Outubro 2017
    Setembro 2017
    Agosto 2017
    Julho 2017
    Junho 2017
    Maio 2017
    Abril 2017
    Março 2017
    Fevereiro 2017
    Janeiro 2017
    Dezembro 2016
    Novembro 2016
    Outubro 2016

    Feed RSS

    Parceiro
    Imagem
    Proudly powered by 
    Epopeia Brands™ |​ 
    Make It Happen

“Sou algarvio
​e a minha rua tem o mar ao fundo”
 

​(António Pereira, Poeta Algarvio)

​Powered by Epopeia Brands™ |​ Make It Happen