A importância do Mar na economia do Algarve: um olhar sobre o passado com perspectivas para o futuro27/4/2020 Por Andreia Fidalgo O que queremos nós para o Algarve pós-pandemia? O surto pandémico que agora enfrentamos serviu para deixar a descoberto a fragilidade da economia portuguesa e, no caso do Algarve, veio revelar o que de há muito já se sabe: que a região padece de uma grande vulnerabilidade económica por se ter alicerçado quase única e exclusivamente no sector turístico. Passadas algumas semanas do início da pandemia no país, a situação é tudo menos animadora. Os dados divulgados pelo IEFP mostram que na região o número de desempregados inscritos, em Março, subiu 41,4% em relação ao mesmo mês do ano passado. Ademais, a subida do desemprego no Algarve foi 14 vezes maior do que a registada a nível nacional, fixada nos 3%. Apesar do cenário ser alarmante, não há nele propriamente uma novidade: a região também sofreu há não muito tempo de um grande embate com a crise financeira de 2008, cujos efeitos se fizeram sentir sobretudo nos anos subsequentes. Basta relembrar que nos anos de 2010 e 2011 o Algarve registou as mais elevadas taxas de desemprego do país – de 13,4% e 15,4%, respectivamente –, e no ano seguinte de 2012 partilhava o nefasto pódio com a Área Metropolitana de Lisboa, registando 17,6%. Só de 2013 em diante é que a situação se inverteu progressivamente na região. Que agora enfrentemos uma nova e acentuada onda de desemprego no país, com especial incidência na região algarvia, não é algo que nos apanhe propriamente de surpresa. Resta saber se, ao contrário do que aconteceu anteriormente com a crise de 2008, é desta que vamos realmente aproveitar a oportunidade para a tão almejada diversificação da economia regional. Claro que entre a teoria e a prática vai um grande passo. É fácil concluir que uma diversificação da economia do Algarve permitiria diminuir a excessiva dependência do turismo e reduzir o impacto em momentos de maior fragilidade económica. Mais difícil é sedimentar as bases dessa diversificação. Neste âmbito, não queria deixar de aludir, por me parecerem em tudo pertinentes e promissoras, as propostas de diversificação que o Luís Serra Coelho, também autor aqui no Lugar ao Sul, já referiu noutras ocasiões: as tecnologias de informação, que já encontram, por exemplo, no projecto Algarve Tech Hub alguns passos dados; a produção de energia renovável, aproveitando uma das vantagens naturais do Algarve, isto é, a exposição solar; e o mar, imenso recurso com um potencial tremendo. As propostas acima enunciadas deixam bem patente que o sol e o mar que fazem do Algarve uma região turística tão apetecível são os mesmos sol e mar que podem potenciar o desenvolvimento de outras actividades económicas na região, no futuro. No meu breve apontamento histórico de hoje, gostaria de relembrar sobretudo a importância do Mar na economia regional ao longo dos séculos: foi através do mar que a região conheceu períodos áureos de desenvolvimento económico e foi através do mar que a região se soube reinventar ao longo dos tempos, aproveitando os recursos aí contidos e a abertura ao mundo exterior para se tornar mais competitiva. Já tive oportunidade de sublinhar, num outro artigo, o impacto que o período de Expansão Marítima teve para a região. O Reino do Algarve, historicamente quase sempre muito isolado do restante Reino de Portugal, mas com uma vasta linha costeira que sempre lhe permitiu manter contacto com o exterior, ganha protagonismo ao tornar-se o palco preferencial das expedições marítimas no século XV. O Algarve prosperou e cidades como Lagos e Tavira passaram, então, por um período de grande desenvolvimento económico: a primeira, sob a liderança do Infante D. Henrique, em muito beneficiaria com as lucrativas actividades comerciais estabelecidas pelas novas rotas marítimas do Atlântico; a segunda, sobretudo na primeira metade do século XVI, beneficiaria da sua posição privilegiada para o apoio às praças que os portugueses iam conquistando no Norte de África. A secundarização da região na partida das expedições atlânticas, que depois da morte do Infante D. Henrique se começam a fazer de Lisboa, e a perda progressiva das praças africanas, levaram a que a região entrasse, no século XVII e durante boa parte do século XVIII, num período de estagnação económica e de subaproveitamento crónico dos seus recursos naturais. Ainda assim, mesmo durante este período, foi sempre o mar que serviu de alicerce às principais actividades económicas regionais. Bastará, para tal, recordar a pesca do atum e da sardinha, as mais rentáveis espécies capturadas na região. O atum era de tal forma lucrativo, que esta pescaria passou a ser um direito senhorial da Coroa Portuguesa desde o reinado de Afonso III, com a conquista definitiva do Algarve e sua integração no Reino de Portugal no meado do século XIII. Era, pois, uma pescaria real ou privilegiada, capturado nas almadravas – designação de origem árabe das armações de pesca desta espécie – que teve uma grande expressão no século XVI e, embora tivesse diminuído nas centúrias seguintes, não deixou de ser uma das principais fontes de rendimento da região. Quanto à sardinha, a sua exploração aumentou exponencialmente nas primeiras décadas de Setecentos e daí em diante, quando na praia de Monte Gordo se instalou uma comunidade de negociantes catalães que rapidamente conseguiu incrementar a pesca dessa espécie recorrendo à utilização da xávega – método tradicional de pesca de arraste – e implementando uma indústria tradicional de salga e conservação do pescado. Ademais, convém acrescentar que a par com esta exploração dos recursos piscatórios, o Algarve se manteve sempre ligado a outras parte dos globo por via marítima através de uma actividade comercial sustentada pelos frutos regionais – tais como o figo, a amêndoa, a alfarroba, a laranja da China (doce), aos quais acresce a cortiça –, com rotas que se expandiam a todo o Mediterrâneo e ao Atlântico Norte. Não é, pois, de estranhar que, quando nas décadas de 60 e 70 do século XVIII o Marquês de Pombal volta as suas atenções para a empobrecida economia algarvia, sejam precisamente as potencialidades económicas das pescarias e a abertura comercial dos portos marítimos algarvios que lhe iriam captar as atenções e ser alvo de um plano de reformas que então se designou de “Restauração do Reino do Algarve”. Este projecto reformista entendia que a economia da região devia ser dinamizada pelo incremento das pescarias, por um lado, mas também da agricultura, que serviria para aumentar o comércio marítimo da região. As pescas foram, no entanto, o principal alvo estratégico de Pombal. Além das medidas de alívio fiscal que animaram as pescarias algarvias no seu todo, para aumentar a pesca do atum, cujas almadravas haviam ficado muito destruídas pelo terramoto de 1755, o ministro de D. José criaria, por alvará de 16 de Janeiro de 1773, a Companhia Geral das Reais Pescarias do Reino do Algarve, a última das companhias monopolistas pombalinas. Quanto à pesca da sardinha, para a rentabilizar e evitar que os seus lucros escapassem aos cofres do estado, Pombal manda edificar Vila Real de Santo António, uma verdadeira vila-fábrica orientada para a captura e transformação da sardinha. Na centúria seguinte e sobretudo já no século XX, o olhar estratégico para o desenvolvimento económico da região passaria novamente pelo mar. O Algarve inseriu-se no quadro mais amplo da industrialização moderna através do desenvolvimento de uma pujante indústria de conservas de peixe. A primeira fábrica instalada na região foi a do italiano Angelo Parodi, em Vila Real de Santo António, em 1879; daí em diante foram surgindo mais fábricas de diferentes dimensões, com particular incidência nas localidades de Vila Real, Olhão, Portimão e Lagos. A indústria das conservas de peixe foi a mais importante alavanca da economia regional na primeira metade do século XX, que em muito beneficiou dos recursos naturais da região, do posicionamento estratégico dos seus portos marítimos para escoamento do produto, e de uma elevada procura por parte do mercado externo, nomeadamente durante os anos da I e da II Guerra Mundial. Porém, esta indústria entraria em declínio na década de 60, incapaz de fazer face à concorrência marroquina, onde o custo da mão-de-obra era baixíssimo, acabando por conquistar os mercados anteriormente ocupados pela produção algarvia. Pari passu com o declínio da indústria conserveira está o exponencial crescimento do turismo na região algarvia, para o qual o mar, aliado ao excelente clima, foram factores determinantes. Apesar de as reivindicações sobre o potencial turístico algarvio soassem já desde os inícios do século XX, foi a partir da década de 60 que se verificou realmente um surto edificatório que alteraria a fisionomia do litoral algarvio, ao qual se somou a inauguração do aeroporto de Faro, em 1965. O Algarve entra, como sabemos, nos circuitos turísticos internacionais e o turismo passou desde então a constituir a principal base económica da região. A história económica do Algarve recorda-nos, pois, que a região se soube reinventar e readaptar ao longo dos séculos tendo por base esse imenso recurso que tem ao seu dispor: o mar. Por que não olhar novamente para o mar com outros olhos e redobrada atenção? Parece-me que não devemos descurar, por um lado, a importância das actividades marítimas tradicionais, que possuem um elevado potencial de valorização cultural da região. Por outro lado, o próprio sector das pescas tem imenso potencial de modernização e pode ser altamente lucrativo. Um bom exemplo é o do atum-rabilho, actualmente explorado na costa algarvia em três armações modernas: duas pertencentes a uma empresa espanhola e outra de capitais japoneses. O atum-rabilho chega mesmo a atingir os mil euros por quilo no mercado de Tóquio, mas a quota portuguesa para pesca desta espécie corresponde a menos de 3% da quota da União Europeia, o que é manifestamente insuficiente e estrangula qualquer hipótese desta actividade lucrativa vir a ganhar mais espaço na região – recorde-se, a este propósito, que nos inícios do século XX o Algarve tinha dezanove armações de atum activas… Ademais, as energias renováveis marinhas não poderiam constituir um elemento estratégico de desenvolvimento sustentável da região? A este propósito, relembro que a CCDR-Norte anunciou, em Novembro do ano passado, que as energias renováveis marinhas, incluindo a energia eólica offshore, seriam uma aposta futura para o próximo programa operacional regional do Norte. Não seria de avançar numa estratégia semelhante no que à região do Algarve diz respeito? Passos nesse sentido já foram dados pela Universidade do Algarve: em Junho de 2017, investigadores desta instituição instalaram, num projecto pioneiro a nível nacional, um dispositivo de extracção de energia das correntes de maré, nas proximidades da barra de Faro-Olhão, com o intuito de estimar a capacidade de produção de energia à escala comercial. Aliás, é de sublinhar o papel decisivo que deve ter a Universidade do Algarve na condução científica de uma linha estratégica e inovadora que tenha em vista promover os vastos recursos que o mar tem para nos oferecer. Que futuro queremos nós, afinal, para o Algarve no pós-pandemia? Não é uma questão fácil, mas o caminho deverá ser sempre o da diversificação… E o mar poderá ser uma das respostas.
2 Comentários
Magda Wikesjö
27/4/2020 13:36:40
Não sou Algarvia, sinto-me Algarvia e a minha rua tem o Mar a Sul e a Serra a Norte. Entre Serra e Mar há muito para fazer...Obrigada Andreia Fidalgo!
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CMF
30/4/2020 00:10:53
Não poderia estar mais alinhado com o texto que aqui se reproduz. Em primeiro lugar, relembras, e bem, que não basta falar na diversificação da economia algarvia, é preciso concretizá-la. Acrescento que é fundamental dizê-lo tantas vezes quantas as necessárias, já que se assistiu, pelo menos no meu tempo de vida, a um reforço da dita «monocultura» do turismo, crise após crise, fosse do turismo ou de qualquer outro setor.
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