Por Bruno Inácio “Ao tornar-me dono da “horta”, passei a considerar minha obrigação fazer o possível para que as árvores continuassem a ser tratadas e a erva daninha cortada. Não foi fácil. Era uma homenagem que devia ao meu Pai.” É neste registo, melancólico, sentimental e de profunda ligação “ao berço” que Aníbal Cavaco Silva escreve o capítulo 13 da primeira parte do seu livro, capítulo esse dedicado à horta de seu pai situada na Freguesia de Boliqueime. Cavaco Silva na chegada a Querença em Agosto de 2009 por ocasião da Fundação Manuel Viegas Guerreiro emBem sei que não é popular falar em Cavaco Silva.
Não é possível ignorar que terminou os seus mandatos com baixíssimas taxas de popularidade e uma imagem pública de falta de acção. Imagem essa agora ampliada por termos um Selfie Made Men na Presidência. Não o ignoro, registo-o. Mas querer reduzir a vida política de Cavaco Silva a esse momento final do seu segundo mandato Presidencial não é sério do ponto de vista histórico, político e social. Cavaco é a figura política portuguesa mais influente dos quase 43 anos da nossa democracia. E foi porque o voto, ditado pela mão do povo, assim o quis. São quatro maiorias absolutas – duas legislativas e duas presidenciais – e um país que viu em Cavaco um referencial de estabilidade. Com a chegada do seu livro – Quinta-feira e outros dias – aqueles que nunca o perdoaram, as tais elites, apressaram-se a vir a terreno atacar a obra. Ouvimos de tudo nas últimas semanas. Chegámos a ouvir que na apresentação do seu livro “apenas” estavam os de sempre. Os de sempre, vejam bem. Como que a querer transformar a amizade e admiração dos que o acompanharam num fracasso editorial. Tiveram a resposta na semana seguinte: o livro esgotou rapidamente a sua primeira edição sem que para tal fosse necessário os seus amigos comprarem lotes inteiros de exemplares. As elites, aquelas que ficam com urticária por saber que alguém de sobrenome Silva, que não nasceu em berço de ouro, que não foi educado num colégio privado Lesboeta, que não frequentou os “locais de bem” e acima de tudo que nunca se curvou perante pseudo-detentores da razão absoluta que acham que a detêm só porque tem cinco ou seis nomes de família e nasceram na linha. Do livro, extenso e exaustivo – tipicamente Cavaques – cada um fará a interpretação que entender. Noto o esforço de objectividade – obviamente aos olhos de quem o escreveu - que transforma o livro num documento essencial para compreender a relação do Presidente da República com o Primeiro-Ministro mas mais que isso para entender o caminho que nos levou a uma ruína financeira que ainda hoje nos atormenta. Quando, antes de 2008, Cavaco falava em falta de liquidez das empresas, em crédito mal parado em montantes insuportáveis, todos os comentadores da tal elite detentora da verdade, literalmente gozavam com as intervenções do Presidente, muitas vezes de forma insultuosa para um órgão de soberania eleito pelo povo. Mas lá está, as tais elites têm dificuldade em lidar com o voto popular quando ele não vai no sentido do que elas entendem ser o correto. Com a crise de 2008, infelizmente, os alertas de Cavaco fizeram todo sentido como um puzzle que se termina. Cavaco não foi nenhum santo mas foi o Primeiro-ministro que infraestruturou Portugal, e se por um lado foi com ele que o Estado ganhou uma dimensão que alguns apelidaram de “monstro” (que foi também amplamente alimentado por António Guterres), não deixa igualmente de ser verdade que foi ele quem consolidou o estado social permitindo que o País crescesse, se desenvolvesse e com isso as pessoas tivessem ganho qualidade de vida. Cavaco, o animal político, que tantas vezes afirmou não ser político, é antes de tudo um homem simples que, como diz no seu livro, sentia “o prazer de passear pela ”horta”, normalmente acompanhado pelo velho primo Henrique Fantasia, conversando sobre as novidades da freguesia de Boliqueime, observando as árvores, podando aqui e acolá, apanhando figos, fazendo covas para plantar uma laranjeira, de qualidade diferente, também uma toranjeira e uma parreira e meia-dúzia de abacateiros”. E isso irá sempre provocar a ira de muitos.
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