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A História em construção: o COVID-19 e o estado de emergência nacional

23/3/2020

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Por Andreia Fidalgo

No meu último artigo, relembrei que a História nos mostra que os eventos pandémicos são cíclicos, tendo afectado os nossos antepassados em diversas ocasiões, ao longo dos séculos. A mais recente e grave pandemia, antes do Covid-19, ocorreu há pouco mais de 100 anos, quando em 1918-19 a gripe pneumónica foi responsável por mais mortes do que a Primeira Guerra Mundial ou do que a Segunda Guerra Mundial.
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Os eventos são cíclicos, mas a verdade é que a História é irrepetível, e enfrentamos hoje circunstâncias muito adversas e distintas das anteriores, com repercussões muito graves, que só daqui a algum tempo nos será realmente possível analisar. Estamos a experienciar um momento histórico sem precedentes, em que não é só o país que está parado e foi afectado, mas sim todo o planeta. E a História que agora estamos a escrever é uma História global, é a História da Humanidade.
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Vem esta reflexão a propósito do dia 18 de Março, sem dúvida um dia que ficará registado na História de Portugal. Foi o dia em que se decretou o estado de emergência nacional, seguindo o exemplo de outros países europeus perante o aumento exponencial do surto do Covid-19. E foi a primeira vez, na história da democracia portuguesa, que tal estado foi declarado no país.

Quando o estado de emergência ainda era somente uma possibilidade em cima da mesa, o próprio Primeiro Ministro António Costa relembrou, e bem, que “desde o 25 de novembro de 1975 que não é decretado o estado de sítio nem de emergência”. Porém, convém relembrar que a Lei nº 44/86, de 30 de Setembro, que define o regime do estado de sítio e do estado de emergência, prevê uma distinção clara entre ambos, e se o primeiro foi implementado, de facto, a 25 de Novembro de 1975 – e apenas parcialmente, como veremos de seguida –, o segundo nunca tinha sido declarado até ao momento.

A referida Lei define o carácter de excepcionalidade dos estados de sítio e de emergência (artigo 1.º), e consagra diversas garantias dos direitos dos cidadãos, nomeadamente “os direitos à vida, à integridade pessoal, à identidade pessoal, à capacidade civil e à cidadania, a não retroatividade da lei criminal, o direito de defesa dos arguidos e a liberdade de consciência e de religião” (artigo 2.º).

O estado de sítio “é declarado quando se verifiquem ou estejam iminentes atos de força ou insurreição que ponham em causa a soberania, a independência, a integridade territorial ou a ordem constitucional democrática e não possam ser eliminados pelos meios normais previstos na Constituição e na lei”. Neste caso, pode ser total ou parcialmente suspenso ou restringido o exercício de direitos, liberdades e garantias, e as autoridades civis devem subordinar-se às autoridades militares ou ser mesmo substituídas por estas (artigo 8.º).

Já o estado de emergência, “é declarado quando se verifiquem situações de menor gravidade, nomeadamente quando se verifiquem ou ameacem verificar-se casos de calamidade pública”. Neste caso pode haver uma suspensão parcial do exercício de direitos, liberdades e garantias e, em caso de necessidade, os poderes das autoridades administrativas civis podem ser reforçadas e eventualmente apoiadas pelas Forças Armadas (artigo 9.º).

O estado de sítio e o estado de emergência podem ser, portanto, declarados em condições absolutamente extraordinárias, permitindo ao Governo uma actuação excpecionalmente mais alargada, mas têm géneses bastante distintas, dado que o primeiro é motivado por actos de força ou de sublevação que coloquem em causa a independência ou a democracia do país, e o segundo decorre de uma situação de calamidade pública, geralmente resultado de uma ocorrência imprevista, tal como uma catástrofe natural, ou um surto epidémico.

Em termos práticos, olhando para a nossa História, o primeiro corresponde, efectivamente, ao estado declarado ante o golpe militar de 25 de Novembro de 1975, e o segundo corresponde, como é evidente, ao estado declarado perante as actuais circunstâncias de calamidade pública protagonizadas pelo devastador surto pandémico do Covid-19.

Com efeito, na declaração do estado de sítio de 25 de Novembro de 1975, estavam em causa os confrontos decorrentes do Processo Revolucionário em Curso – PREC, período de transição pós-25 de Abril bastante instável e de difícil diagnóstico que, se por um lado se pode caracterizar por ter sido impulsionado por partidos, organizações e grupos de esquerda e de extrema esquerda com vista à obtenção do poder, por outro lado também pode ser lido como uma expressão de um povo reivindicativo e revolucionário.

A Revolução de Abril de 1974 fez-se de forma pacífica, mas os tempos que se seguiriam, até à aprovação da Constituição Portuguesa, em Abril de 1976, seriam bastante conturbados, marcados por uma grande agitação social e política, com uma sucessão de governos provisórios e uma manifesta falta de entendimento entre os vários partidos políticos.

Foi um período de profundas transformações e importantes lutas reivindicativas muito participadas, que resultaram no estabelecimento do salário mínimo, numa Reforma Agrária que teve em vista eliminar o latifúndio da paisagem rural portuguesa, na dissolução de grupos económicos ligados ao anterior regime, na nacionalização de empresas de interesse público…

Tudo isto se faz num ambiente de grande instabilidade política, militar e social, com várias ameaças e rumores de golpes políticos e militares de várias tendências político-ideológicas. Os ânimos adensaram-se sobretudo durante o Verão Quente de 1975, período particularmente conturbado em que ocorreram várias acções violentas contra as sedes dos partidos e organizações políticas de esquerda e em que há uma disputa mais exacerbada entre as forças revolucionárias de esquerda e as forças moderadas pela ocupação do poder.
Pairava, então, a ameaça de um golpe de estado, mas também de uma possível guerra civil, o que, evidentemente, colocaria em causa o programa em marcha de se instituir um regime democrático que garantisse aos cidadãos a estabilidade necessária à reconstrução do país.

A ameaça tornou-se real quando, na madrugada de 25 de Novembro de 1975, unidades de para-quedistas identificados com a extrema-esquerda conseguiram ocupar várias bases aéreas, na expectativa de conseguir o apoio do COPCON – Comando Operacional do Continente. O golpe de estado parecia iminente. Mas sofreu um contra-golpe determinante, protagonizado por um grupo operacional de militares, chefiado por Ramalho Eanes, e apoiado pelo então Presidente da República, o General Costa Gomes, que tomou o partido dos “moderados”.

Nesse mesmo dia, Costa Gomes decretaria o “estado de sítio”, mas parcial, confinado à Região Militar de Lisboa, uma vez que era aí que a esquerda militar concentrava a sua força. Este estado implicou a suspensão parcial de garantias constitucionais, sendo que as autoridades militares assumiram a superintendência das autoridades civis e serviços de segurança (Decreto n.º 670-A/76). Em termos práticos, além da mais efectiva presença militar no terreno, a população de Lisboa ficou obrigada a um recolher obrigatório, numa tentativa de conter e acalmar as tensões populares que então se manifestavam. Mas, salvo estas condicionantes, a população poderia circular normalmente, durante o dia.

O estado de sítio durou uma semana. A esquerda radical saiu derrotada e o 25 de Novembro ditaria o fim do PREC e o início de uma fase de concertação político-partidária que resultaria na aprovação da Constituição Portuguesa, em Abril de 1976.

Serve esta incursão na História para reforçar a excepcionalidade do momento histórico que agora estamos a atravessar: nunca antes tinha sido decretado o estado de emergência em Portugal! O perigo, em 1975, advinha da possibilidade de golpe militar e guerra civil, decorrentes de actos de força e insurreição que colocariam em causa o processo de construção democrática em curso – daí a necessidade de se declarar o estado de sítio, que foi apenas parcial, muito circunscrito, e de curta duração, uma vez que a ameaça foi rapidamente contida.

O perigo, agora, é outro e bem mais alargado. É um perigo “invisível”, de ameaça real à saúde pública, que extravasa largamente os contornos de uma qualquer nação. É um perigo mundial, que requer um plano de acção nacional, mas inserido num mais vasto leque de medidas de contenção da pandemia que estão a ser tomadas a nível global. Foi este perigo pernicioso que ditou o estabelecimento do estado de emergência no dia 18 de Março, pela primeira, em Portugal. Uma data que será certamente recordada na história nacional, mas que deve ser sobretudo observada à escala global.

Tempos extraordinários requerem medidas extraordinárias. E a História faz-se de momentos extraordinários. Que não residam dúvidas de que todas as medidas que agora se ditarem serão determinantes para a História que se vai escrever no futuro. Mas não devemos incorrer no erro de pensar que somos impotentes perante a situação actual e que devemos deixar a responsabilidade de acção somente naqueles que detêm o poder decisório. Neste caso, todos podemos e devemos colaborar. Devemos reforçar, neste momento, o nosso dever cívico e o nosso sentido de comunidade para combatermos, juntos, esta pandemia. Mesmo que “juntos” signifique, na situação actual, estarmos “separados”, em isolamento nas nossas casas.

Sejamos fortes, mantenhamo-nos unidos e esperançosos. Ainda a procissão vai no adro… Mas algum dia ela terá o seu término!
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