Por Luís Coelho. Imaginem-se cidadãos da Lusitânia, pacato País à beira-mar plantado. Hoje é um dia especial. Após abrirem a vossa caixa de correio encontram uma carta enviada pelo tribunal da terra. Inquietos, abrem o envelope e devoram o conteúdo da missiva. Mal podem acreditar no acabam de descobrir. O infeliz falecimento de um tio-avô muito distante acaba de vos habilitar como herdeiros da pitoresca herdade Nova. Esta conta com um simpático terreno de 10 hectares e um monte a precisar de restauro. No entanto, o vosso falecido tio-avô determinou que para poderem tomar conta da herdade Nova terão de ser capazes de mobilizar 4.9 Ecus (moeda da Lusitânia), valor estimado da intervenção necessária na propriedade. O tribunal entregará a herdade à Misericórdia local caso falhem esta determinação. Esta é das tais notícias que abana a vida de qualquer um. De facto, como bons Lusitanos, vocês fartam-se de trabalhar mas não conseguem amealhar poupanças de vulto (e 4.9 Ecus é muita massa lá para aqueles lados). No entanto, mudar de vida e tornar-se agricultor e proprietário é algo que vos motiva e fascina. Depois de algum estudo decidem tentar amealhar o pecúlio necessário para resgatar a herdade através da criação de um fundo de investimento. Deram-lhe o pomposo nome de Fundo de Resolução. Seguindo a lógica dos fundos, subscrevem parte do seu capital e tentam mobilizar outros agricultores no mesmo sentido. Meses volvidos lá conseguem juntar a módica quantia de 0.18 Ecus... Desolados? Nah, nada disso: por estes dias é possível sacar dinheiro do banco Troika a taxas de juro muito competitivas! Assim, é sem grande dificuldade que conseguem 3.9 Ecus da Troika, ao que somam o valor da venda de algumas bugigangas que paravam lá por casa. Maravilha: já têm os 4.9 Ecus que precisam para ficar com a herdade Nova. Após umas burocracias lá conseguem nomear uma equipa de gestão que fica incumbida de cumprir com um único objectivo: arrumar a casa. Depois disso é só vender a herdade, pagar o empréstimo contraído e gerar uns patacos para os investidores no fundo de resolução.
É aqui que a história se complica. E muito. Por um lado a equipa de gestão não se entende com o fundo de resolução. Tal causa desgaste, desorientação estratégica e, eventualmente, a necessidade de arranjar nova equipa para gerir os destinos da herdade. Por outro, o seu tio-avô subestimou em muito as necessidades de capital. Na verdade os 4.9 Ecus rapidamente desapareceram e a necessidade de dinheiro extra é uma constante. Curiosamente, muita desta pressão financeira vem de uma série de créditos concedidos a clientes. Em muitos casos, parece incrível como foi possível ao seu tio-avó ser tão benevolente para com estes “amigalhaços”. Assim, vendo-se incapaz de lidar com a situação, decide encontrar um comprador para a herdade Nova. A abordagem é profissional. Contrata consultores de gabarito (destaque para um tal de Monteiro, pago a peso de ouro e com ligações políticas fortes). Lança um concurso internacional. Faz road shows nas principais praças do planeta. Fala directamente com investidores privados. Grita e berra na televisão sobre o assunto. Resultado? Uma desilusão completa. Apesar do esforço, não há interessados na compra da herdade ou, os que há, apresentam propostas demasiado ridículas para serem levadas a sério. É neste contexto difícil que a n-ésima equipa de gestão lá vai fazendo o que pode para ir pondo a herdade a funcionar. Sem grande sucesso, diga-se. Eis senão que, num belo dia de Inverno, aparece na herdade Nova um puto de fato escuro que se diz representante do fundo Estrela Sozinha. Este opera a nível global e especializa-se na compra de herdades que estão em situações económico-financeiras complexas. Semanas de intensas negociações levam ao desfecho possível. Em particular, em voz grave, anuncia aos jornalistas lá da terra o básico dos termos em que foi concluída a venda da herdade Nova ao fundo Estrela Sozinha. Por 75% da herdade o fundo paga exactamente… zero Ecus (sim, leu bem – nada, nickles, zerito, a ponta de um chavelho, etc…). No entanto, o fundo compromete-se a injectar 0.75 Ecus na herdade assim que o negócio esteja concluído, ao que se somará mais 0.25 Ecus no espaço de três anos. O negócio garante ainda que o fundo Estrela Sozinha detém o controlo total sobre a gestão da herdade. A saber: nomeia toda a equipa de gestão a seu belo prazer; decide a política de remuneração do capital; permite-se revender a herdade Nova no prazo de três anos a partir da assinatura do negócio, entre muitas outras coisas. Atónitos, os jornalistas presentes interrogam-no: “Mas isso parece ser um péssimo negócio para o fundo de resolução. Concorda?”. Responde então prontamente: “Nem pensar. Veja que a alternativa seria pior. Gerir a herdade como está não é possível e liquidar a mesma não é opção pois é a memória do meu tio-avô que está em causa. Também não temos capital para fazer o investimento que é necessário. Com este negócio o fundo de resolução fica com 25% do capital, uma participação que pode alienar quando quiser. Mais, nos moldes em foi feito o negócio, eliminamos a necessidade de entrar com mais capital na herdade no curto-prazo. Um verdadeiro alívio para os bolsos vazios do fundo de resolução, aventou”. Intrigado, um jornalista (que até parecia estar a dormir), pergunta: “E no longo-prazo? Há alguma possibilidade do fundo de resolução ser chamado a contribuir com capital adicional para a herdade?”. Ainda tentou evitar responder. Devidamente instruído pelo seu consultor (o tal pago a peso de ouro) usou linguagem técnica para chutar para canto. Falou da falta de gosto do tipo que esculpiu o busto do Ronaldo que está no aeroporto da Madeira. Mencionou como o Sporting pode vir a ser a chave do campeonato quando derrotar o benficas no fim-de-semana de 22/Abril. Nada resultou. Assim, a contragosto e em voz sumida, lá foi dizendo que existe um mecanismo de responsabilidade contingente. Trocando por miúdos, tal significa que o fundo Estrela Sozinha pode exigir até 3.9 Ecus ao fundo de resolução no espaço máximo de 8 anos caso existam factos futuros que comprometam a viabilidade da herdade Nova. É nesta altura que vale a pena recordar o leitor que esta é apenas uma fábula; nada remotamente parecido ao que o Lugar ao Sul hoje publica aconteceu ou pode acontecer na realidade. De facto, imagine-se o que seria se o protagonista desta história fosse o Estado Português, a herdade um banco e se estivessem em causa milhões de euros em vez de simples Ecus. Como diria, o outro, tal seria mau demais para acreditar…
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