Por Gonçalo Duarte Gomes Nas últimas semanas, têm-se sucedido os alertas, por parte de grupos de cidadãos, relativamente a intervenções nas margens da Ria Formosa, que violam as normas do Parque Natural da Ria Formosa (PNRF), concretamente as impostas pelo seu Plano de Ordenamento, para além de outras servidões administrativas. Sendo os aspectos administrativos importantes, bem pior é a realidade que está subjacente a estes episódios. Movimentações de terras abusivas em zonas sensíveis, abate de árvores de porte significativo, perturbação de zonas consagradas a regimes de protecção, criação de situações que potenciam situações de erosão de margens e contaminação do plano de água da Ria, entre outras. Na sequência dessas denúncias (ver aqui, aqui ou até aqui!), o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I.P. (ICNF), entidade tutelar do PNRF, desencadeou um conjunto de procedimentos, concretamente de levantamento de autos e embargando as obras em curso. Como consequência disso... tudo continuou a acontecer, como se nada fosse. Ocorrendo dentro dos limites de uma área protegida como a Ria Formosa, estas situações são particularmente gritantes, mas o facto é que se repetem com crescente frequência, um pouco por todo o lado. O poder e autoridade das entidades públicas responsáveis pela salvaguarda de valores e recursos naturais está completamente minada, e verifica-se um desplante cada vez mais aberto por parte daqueles – empresas com alguma relevância e particulares com grande capacidade financeira e/ou de influência, bem entendido – que decidem violar planos e regulamentos a seu bel-prazer. Acresce a este panorama o facto da capacidade de intervenção destas entidades ser muito limitado.
As causas são bem conhecidas: uma reiterada fragilização política de áreas temáticas como ordenamento do território, ambiente, conservação da natureza ou paisagem, a par do desinvestimento nos meios e recursos ao dispor dos organismos públicos com responsabilidades na matéria. Aqui, o caso do ICNF é paradigmático. Quando surge, em 2012, pela fusão do Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade e da Autoridade Florestal Nacional, numa aplicação idiótica do Compromisso Eficiência, assumido pelo Governo de Passos Coelho – e da ministra responsável pela pasta, Assunção Cristas – na ressaca da bancarrota consumada pelo Governo de José Sócrates, representa um retrocesso de décadas em política de conservação da Natureza. Foi assim deitado ao lixo todo o esforço anterior para conseguir autonomizar, por pleno direito, uma política de conservação da natureza, subjugando esta ao poderoso sector florestal que, por definição, possui aspectos antagónicos – entre conservação e produção haverá sempre pontos de atrito, apenas conciliáveis se ambas as actividades se encontrarem em pé de igualdade, em termos de peso político. Foi assim destruída uma herança que vinha de 1976, do pioneiro e francamente notável Serviço Nacional de Parques, Reservas e Património Paisagístico e de toda a política de ambiente que então, nas mais difíceis condições sociais e políticas, se conseguiu erguer, para as populações e com as populações. Uma herança que nenhum Governo subsequente teve vontade ou sequer interesse em recuperar. No meio deste processo, existe um vasto conjunto de pessoas que, trabalhando diariamente, tentam operar o milagre das omeletes sem ovos, ao serviço destas entidades. Com falhas – como todos nós no desempenho das nossas actividades quotidianas – que importam corrigir, mas que devem também ser enquadradas num aprofundamento do conhecimento das condições em que se vêem obrigadas a exercer as suas competências. Neste cenário, e perante iniciativas que são financeira e procedimentalmente muito mais dotadas e ágeis, a luta pela procura do equilíbrio entre valores e recursos naturais e as actividades humanas, que justifica a classificação desta área como Parque Natural, é completamente desequilibrada. E, portanto, se é mesmo para continuar a ter áreas protegidas dignas desse nome, algo tem que mudar. Há umas semanas, através de um artigo no jornal Público (ver aqui), o Professor Fernando Santos Pessoa alertava para os perigos do modelo de co-gestão das áreas protegidas, que agora avança, com grande entusiasmo autárquico. Ao título desse artigo – alterado relativamente ao original, já agora – foi chamada uma frase constante do mesmo, que comparava a co-gestão à entrada da raposa no galinheiro. Isto gerou alguma celeuma, por parte do sector da gestão autárquica, que entende não dever ser alvo de um clima de suspeita e falta de crédito relativamente à gestão que faz do tema conservação da natureza. A história e a realidade, com o peso que têm, jogam de facto contra a credibilização da gestão autárquica em termos de conservação da natureza. Há lógicas de ordenamento e de planeamento, sectoriais e territoriais, que não podem ser pensadas como o somatório de interesses locais. São antes estratégias de larga abrangência espacial e projecção no longo-prazo, que vão enquadrando e articulando, numa perspectiva de maior alcance, questões mais focalizadas. Daí que não possam estar sujeitas à permeabilidade a pressões imediatas e muito localizadas que, por definição e vocação, marca a gestão autárquica. Mas nunca é tarde para fazer mais e melhor, ou abrir novos capítulos, isso é inegável. Pois bem, eis que surge uma boa oportunidade. Quer o poder local demonstrar que a co-gestão não só não é assim tão má, como ainda os contributos dos Municípios, numa escala de proximidade, podem ser positivamente decisivos? Então apoiem as entidades regionais no esforço de fiscalização e punição de casos como este (ou outros similares e até piores, como por exemplo no caso de edificações ilegais). Apoiem-nas na procura de peso político para a conservação da natureza, de forma a poder ombrear mais equilibradamente com outros interesses. Apoiem-nas no estabelecimento de diálogos abertos, mas firmes, com os promotores das mais diversas actividades económicas incidentes sobre, no caso, o Parque Natural da Ria Formosa, em que a salvaguarda dos valores e recursos naturais deve ser a base inegociável. Apoiem-nas numa verdadeira conservação da Natureza. Será popular? Dará votos? Ainda por cima em ano de eleições? A ver vamos. Pelo sim, pelo não, guardemos memórias do espaço que corre o risco de um dia deixar de ser o Parque Natural da Ria Formosa.
1 Comment
José Alfredo Sivestre
13/6/2021 16:16:56
Na verdade,nos últimos tempos têm acontecido coisas especialmente no sotavento do Algarve( especialmente no Concelho de Tavira) que brada aos céus,como tantos abusos são feitos. Será bquevas entudades receiam perder o tacho,se afrontarem certas influências.
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