Por Luís Coelho Quis o destino que caísse sobre mim a responsabilidade de escrever o primeiro e o último texto deste Lugar ao Sul em 2019. Há a um ano atrás reflectia sobre as decisões que teríamos de tomar no contexto das eleições para o parlamento europeu e para a assembleia da república (AR). Doze meses volvidos o tema é outro: os desafios de Portugal para o Ano Novo. Na minha opinião, estes são muitos e complexos. Resumo o meu pensamento em torno de dois vectores essenciais. . Política interna: da recém-empossada AR nasceu um novo governo de minoria do PS. Poder-se-ia pois dizer que ficou tudo na mesma sendo que eu cá não alinho por tal diapasão. Se é verdade que o PS continua a governar sem maioria, noto que o tempo político é (bastante) diferente. De facto, à esquerda vemos um PCP ferido de morte e que como tal se vê obrigado a fazer política com outro vigor e contundência sob pena de se tornar irrelevante. Já o BE – terceira força política nacional – parece necessitar de retocar a sua mensagem para assim convencer uma maior fatia do eleitorado e, com isso, afirmar-se como uma verdadeira alternativa de poder. À direita reina o caos. O CDS está em polvorosa depois de uma pesada derrota eleitoral. Mais do que um líder este partido parece necessitar de uma alma nova e de um projecto verdadeiramente galvanizador. Ao mesmo tempo o PSD arrisca perder protagonismo no cenário político nacional caso seja incapaz de sanar as suas profundas divisões internas. Temos ainda a curiosidade de contar com três novos partidos na AR sendo que o CHEGA de André Ventura promete ser um verdadeiro embaraço para o governo PS – seja pela forma ou pelo conteúdo da sua mensagem. Finalmente, é preciso recordar que vamos ter eleições presidenciais já em 2021, algo que poderá contribuir para um cenário político nacional (ainda) mais atribulado.
. Enquadramento externo: se o contexto político interno é desafiante, a conjuntura externa afigura-se como quasi-catastrófica. Destaco apenas três aspectos que me parecem centrais no ano que agora começa. Primeiro, o BREXIT que vai seguramente acontecer a breve trecho. As suas consequências são totalmente imprevisíveis. De facto, há aqueles que defendem que este evento não terá qualquer impacto sobre a nossa vivência colectiva. Eu, céptico por natureza, dou por mim a pensar que o BREXIT pode ser catastrófico para a economia (e o clima de paz) na europa e no mundo. Por exemplo, quais as consequências de uma possível desagregação do Reino Unido na era Pós-Brexit? O que dizer sobre a viabilidade do projecto europeu caso outros países decidam seguir as pisadas do Reino Unido? Isto para já não falar do impacto que o Brexit pode ter sobre a coesão da NATO na justa medida em que o único exército europeu a sério que faz parte da organização é precisamente o do Reino Unido. O segundo aspecto prende-se com o início da caminhada da Sr.ª Lagarde à frente dos destinos do Banco Central Europeu (BCE) em 2020. Importa recordar os mais distraídos de que grande parte do dito “milagre” económico Português se deve à forma como Mário Draghi se bateu contra a ortodoxia alemã em matéria de política monetária. Tivesse o BCE tido opções diferentes em alturas-chave do passado recente e neste momento a situação de Portugal (e da Grécia, Itália, Espanha e, quiçá, França) seria bastante diferente para pior. Ao contrário de Draghi, um Italiano doutorado em economia pelo Massachusetts Institute of Technology onde beneficiou da supervisão do laureado Nobel Franco Modigliani e de Robert Solow, Lagarde é francesa, licenciada e mestre em direito, tendo passado boa parte dos últimos anos à frente do Fundo Monetário Internacional. Temos pois que a diferença entre Draghi e Lagarde é abissal o que pode ser potencialmente problemático para todos os países europeus que recentemente se debateram com questões de insustentabilidade da sua dívida pública. O terceiro aspecto de conjuntura internacional que gostaria de destacar prende-se com as eleições presidenciais dos estados unidos, marcadas para o dia 3 de Novembro de 2020. Este é um pormaior fundamental para entender a dinâmica mundial dos próximos meses. De facto, estou convicto de que Trump tudo fará para se manter na Presidência da maior economia mundial. O que me preocupa é desconhecer profundamente o que isso quer dizer. Por exemplo, vamos ter um aliviar da tensão comercial com a China ou, ao invés, um agudizar da mesma? Vamos ver uns Estados Unidos mais colaborantes na frente internacional ou teremos exactamente o oposto? Infelizmente dada a natureza de Trump parece-me impossível antever com algum rigor o que é que vai acontecer; tal representa incerteza acrescida no nosso entorno internacional, algo que gostaríamos certamente de dispensar. O último aspecto que gostaria de destacar é estrutural. Em particular, penso que é justo afirmar que todos os problemas supraidentificados são insignificantes quando se traz à colação a questão do impacto que as alterações climáticas pode ter sobre a capacidade da nossa espécie para continuar a existir à superfície do planeta Terra. Este é um tema que, felizmente, parece ter entrado na consciência das pessoas comuns (pelo menos nos países ditos mais desenvolvidos) e, logo, na agenda política. Falta agora passar à acção efectiva e musculada sendo que as previsões que vamos conhecendo mostram que o tempo de que dispomos para tal é muito curto. Como economista penso que tal terá forçosamente de passar por uma refundação do modelo de desenvolvimento que temos vindo a adoptar, o qual é baseado na acumulação de riqueza e na noção de crescimento económico mais ou menos perpétuo. Infelizmente, como ser humano, estou convicto de que tal refundação não será possível pois a mesma implica dizer a todos que as nossas condições de vida não vão melhorar. De facto, os estudos conhecidos sugerem que, tendo em conta as restrições de conhecimento e tecnológicas actuais, o nível de vida médio da população humana teria de se reduzir consideravelmente para que a nossa existência fosse ambientalmente sustentável. Dito de forma mais simples: todos teríamos de abdicar do seu conforto actual e, ao mesmo tempo, da ambição de ter mais e melhor no futuro. Quem é que está disponível para este futuro? Este é um tema certamente difícil. É, no entanto, o cerne da questão. Em 2020 e enquanto o Planeta não desistir definitivamente da nossa espécie.
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