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16 fósforos num Algarve inflamável

23/6/2017

1 Comment

 
Por Gonçalo Duarte Gomes

Nos últimos dias todos estivemos em Pedrógão Grande.

A calamidade ali ocorrida tomou-nos de assalto, emocional e intelectualmente. Pelo esmagador número de vidas perdidas, em condições de puro e inimaginável terror, pela desolação deixada pela dimensão e devastação do fogo, pela angústia do caos operacional que se instalou, pelos limites de decência que se quebraram e os horizontes de desfaçatez que se abriram, desde entrevistadoras de cadáveres a salteadores de evacuados, comandantes balofos que perdem aviões, um Presidente a pedir legislação sobre o joelho (sim, porque a pressa e a legislação têm feito maravilhas), desvio de donativos para fundos estatais, petições para instauração de trabalhos forçados, dislates de toda a espécie, em todo um mergulho num mundo surreal.

Mas tocou-nos, subliminarmente, a sensação presente de que, em vez das dezenas que perderam a vida, poderíamos ser nós.

E seremos. Amanhã, depois, para a semana, daqui a um, cinco, dez anos, em Góis, no Soajo, em Odemira, Silves, Cabeça do Velho, Cachopo ou no Funchal.

Porque, tal como estamos, tudo se reduz a uma perigosa partida de roleta-russa.
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A catarse do que ocorreu em Pedrógão é um processo que deveria – a descrença não permite afirmar que deverá – ocupar-nos a todos, enquanto colectivo e não apenas somatório de individualidades, durante muito, muito tempo. Mais precisamente, o tempo necessário até se conseguirem rectificar os erros estruturais que estão na base, que são complexos, intrincados, variados e nem sempre imediatamente perceptíveis e muito menos cabem neste espaço.

Porque não é este fogo, nas suas dramáticas especificidades, o centro da questão, mas antes toda uma organização territorial e social, cujo falhanço nos deve levar a colocar muita coisa em causa.

A melhor homenagem que se poderia prestar a todos os que morreram em consequência de fogos florestais seria a reforma do sistema que os vitimou. Já não pelos que nos deixaram, e que nada nem ninguém trará de volta, mas justamente pelos que, caso nada seja feito, irão seguramente engrossar o rol de vítimas.

Para já não se vislumbra como, pois prevalece aquela ideia, muito portuguesa, e com patrocínio governamental, de que tudo foi fruto do acaso e que, como tal, são coisas que acontecem.

Nada a fazer, nada para ver, sigamos com as nossas vidas.

Não.

Não.

Não.

Morreu gente demais, perdeu-se demasiado.

Não que o Governo seja o culpado. É apenas mais um culpado, a juntar a tantos outros. Onde estamos também nós, todos nós, que não “eles” (aquela entidade de costas largas), eleitores e fiscais do trabalho dos decisores que somos. Sobre isto, tive oportunidade de reflectir, genericamente, aqui.

No entanto, é este Governo, porque é o Governo (e não uma mera comissão de festas), que vai ter que demonstrar se é capaz de algo mais para além do deplorável espectáculo circense de sacudidelas de água do capote, qual bando de gaiatos aflitos, com que nos brindou até aqui, usando a teoria da casualidade como versão secular da ira divina.

Até agora apenas mostrou ausência de dimensão de Estado.

Resta saber se a consegue alcançar.

E depois deste Governo, muitos outros. Porque o problema não é redutível à incompetência do governo A ou B, nem a um só tempo, está diluído num tóxico cocktail de inaptidão, ignorância, displicência e falta de idoneidade, que a classe partidária parece partilhar desde há décadas, ao qual nós juntamos a indiferença e a tolerância para com a mediocridade e a impunidade.

Por isso mesmo, outros terão também que superar-se e erguer-se à altura das responsabilidades, apesar de agora provavelmente se disporem a iniciar uma encarniçada batalha partidária, fazendo de conta que nunca participaram do problema, porque a hipocrisia e o desplante são, para já, os fluidos vitais que alimentam este sistema. Também os que interesseira, interessada e obedientemente se têm remetido ao silêncio terão que emergir da lama em que se arrastam, ou calarem-se para sempre, esmagados pelo peso da vergonha e da falta de dignidade.

E nós teremos que elevar-nos com todos eles.

Porque é o nosso País que está desestruturado, desequilibrado, largamente despovoado, abandonado e inerte. E é por falta de gente, de actividades, de vida e de vivência, que o acaso ou o deliberado, quando surgem, não encontram qualquer preparação, nada nem ninguém, nenhuma estrutura, nenhum sistema de paisagem, nenhuns olhos ou mãos capazes de encaixar as suas consequências.

Em paisagens mortas, a morte joga em casa.

Este novelo possui múltiplas linhas que se entrecruzam: humanas, ecológicas, administrativas, institucionais, legais, económicas, etc.. Quando bem entrelaçadas, formam um tecido coerente e reconhecível. Enroladas sem critério, são apenas um conjunto de infindáveis nós.

E é por isso que, tal como os equinócios e os solstícios se sucedem, assim andamos nós, ora a discutir incêndios porque no Verão faz calor, ora a discutir cheias porque no Inverno chove. Como um cão que persegue a sua cauda, assim perseguimos nós sempre os sintomas, nunca as causas. É estrutural.

Temos conhecimento (que embora disponível todo o ano, apenas ganha espaço e interessa enquanto combustível para alimentar a fogueira mediática da “época dos fogos”). Temos capacidade. Falta-nos carácter.

Temos muito para mudar, imenso para fazer. Em conjunto, com a responsabilidade e a noção do interesse comum acima do mero somatório dos interesses particulares de cada um, e até mesmo de cada geração.

É essa a profundidade do problema, é esse o dilema perante o qual estamos colocados, com a resposta em aberto. Bom ou mau, seremos o que decidirmos ser.

E o Algarve nisto tudo?

Olhem para ele, com olhos de ver. Lembrem-se de passados recentes, percorram o seu interior, as suas serras.

Agora imaginem algo tão fortuito como um raio que cai, em qualquer lado, a qualquer hora.

Sentem-se confiantes?
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MICHAEL FERRADA
23/6/2017 19:58:06

16 Fósforos num Algarve.. Um Barril de Pólvora! A razão dos Incendios... de Gonçalo Gomes de "Lugar ao Sul"... Subscrevo na Íntegra o Post! Parte do mesmo... "Porque é o nosso País que está Desestruturado, Desequilibrado, Largamente Despovoado, Abandonado e Inerte. E é por Falta de Gente, de Actividades, de Vida e de Vivência, que o Acaso ou o Deliberado, quando Surgem, Não Encontram qualquer Preparação, Nada Nem Ninguém, Nenhuma Estrutura, nenhum Sistema de Paisagem, Nenhuns Olhos ou Mãos Capazes de Encaixar as suas Consequências.

"Em Paisagens Mortas, a Morte Joga em Casa".

Este Novelo possui múltiplas linhas que se entrecruzam: Humanas, Ecológicas, Administrativas, Institucionais, Legais, Económicas, etc.. Quando Bem Entrelaçadas, Formam um Tecido Coerente e Reconhecível. Enroladas Sem Critério, são apenas um Conjunto de Infindáveis Nós." :(!!!

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