Por Gonçalo Duarte Gomes … e o algarvio bebe até cair, não sem antes abonar todas as profissionais do amor carnal que naquela altura davam o corpo ao manifesto na chafarica. No final, o Dijsselbloem, que entretanto ficou a ler o “Breve tratado de Deus, do homem e do seu bem-estar” de Espinoza, acompanhado de um copo de água, paga a conta de ambos e vai para casa brincar consigo próprio. Esta bonita historieta corresponde mais ou menos à visão que os povos do Norte da Europa têm do pessoal que vive mais a Sul. Inveja do nosso Sol? Dor de corno por sermos mais bonitos e do it better? Recalcamento por não terem o Éder na selecção deles? Não sei dizer, mas quando o líder do Partido Socialista lá da Holanda largou a bujarda de sugerir que o pessoal a Sul gasta o que tem e o que não tem em mulheres e copos, para depois andar à rasca, apenas verbalizou um sentimento amplamente partilhado lá por terras cinzentas e sombrias. Nós, como bons latinos, eriçámo-nos logo! “Beber vinho é dar o pão a 1 milhão de portugueses”, “há lá coisa melhor que gajas!?”, “com esse cabelinho deves andar de bicicleta mas é sem selim”, “antes copos e mulheres que gastar em homens, ganzas, pó ou cavalo na veia, como os holandeses!”, indignação, ultraje, revolta, apelo à exportação massiva de loiça das Caldas directamente apontada a uma cavidade corporal do homem, também uma boa dose de humor, tudo muito figadal… mas pouco racional. E é por isso que tardamos a dar a única resposta que calaria os Dijsselbloem desta Europa: provar inequívoca e factualmente que estão errados. Na semana passada reflectia acerca do existencialismo algarvio, e desta condição servil a que nos deixámos reduzir, com entusiástico consentimento. Nem de propósito – a menos que o Dijsselbloem seja leitor assíduo deste Lugar ao Sul, o que sempre abonaria em seu favor – surgem agora estas declarações. Parecem-me ser figurativas as mulheres e os copos referidos pelo nosso concidadão dos Países Baixos, pelo que, nesse contexto, mais do que moral dissoluta e prazeres da carne, podemos perfeitamente estar a falar das euro-financiadas obras faraónicas cujo único objectivo foi alimentar as grandes empresas de construção dos amigos e os bancos, sem que servissem um real desenvolvimento do povo português. Por isso soou exagerado o despautério, o populismo e a demagogia que correram à solta. Até parece que fomos equiparados a uma feira de gado... Ao menos, e com uma simples boca, um homem de fora conseguiu o que não logramos internamente: união nacional. De tal forma que até os estalinetes da Associação de Estudantes da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova devem estar dispostos a partilhar com o irado líder pê-ene-errista uma ida à capital da prostituiçã… perdão, Amesterdão, para aviar umas valentes chibatadas de cinto no holandês! Ainda por cima, para quê agora tantos pruridos, quando temos a vernacular expressão de “putas e vinho verde” como orgulhosa prova da meridional virilidade? Se bem que, depois da tonta tirada do nosso Primeiro, que viu sexismo, xenofobia e todos os males do mundo no que foi uma analogia rude do seu compadre político, esta expressão deve passar a ser “profissionais de prostituição de qualquer género, ou sem género, de qualquer espécie [não venha uma associação de bestialismo reclamar!] e qualquer tipo de bebida alcoólica, por qualquer processo de fermentação, ou bebida sem álcool”. Perde aquela sonoridade boa, mas o politicamente correcto assim obriga. Não vejo também como podemos antagonizar um homem que diz disparates, perdeu as eleições, reclamava ter um título académico que na verdade não tinha, e que a única coisa que faz na vida desde há largos anos é viver à custa da política. Caramba, este gajo tem perfil para ser Primeiro-Ministro de Portugal! Depois, nesta coisa do projecto europeu somos algo selectivos quando contamos a história. Repetimos à exaustão o aspecto da solidariedade mas aparentamos esquecer sempre a responsabilidade. Sendo certo que os Países do Norte da Europa lucram muito com os vampirescos juros que hoje em dia cobram pelos empréstimos (se bem que nunca vêem a cor do dinheiro, por isso, é relativo) e com a perda de produção dos países do Sul, que assim são obrigados a importar mais, não é menos certo que já cá meteram muito graveto a fundo perdido, para nós usarmos basicamente no que quiséssemos. Esse dinheiro, que nos foi solidariamente entregue, tinha como objectivo o nosso desenvolvimento para que, um dia mais tarde, e mais fortes, não só dispensássemos solidariedade externa como pudéssemos nós próprios estendê-la a outros países, numa espécie de favores em cadeia europeia. Ora isso, nem tão cedo. Em nossa defesa poderemos sempre invocar George Best, insuspeitamente britânico, que sempre confessou: “Gastei 90% do meu dinheiro em mulheres e bebida. O resto desperdicei.” Bocas como as do Dijsselbloem só incomodam por uma razão: não haver resposta para dar à pergunta sobre o que raio fizemos nós ao dinheiro e ao País, que não passamos da cepa torta de andar sempre aflitos. Tentemos algumas hipóteses: Portanto, feito o gosto ao ego nacional, batendo no ceguinho, e destruído o já de si escaqueirado Dijsselbloem, ficamos todos contentes, mas com a mesma mão cheia de enganos que nos trouxe até este ponto – sem que dediquemos aos responsáveis um décimo da bílis com que regamos um pateta holandês. E amanhã vamos, de orgulhosa cabeça erguida, e com aquele ar de “quem se mete com Portugal, leva!” estar de mão estendida ao próximo nórdico.
Tal como noutras situações, vilipendiar, insultar, rebaixar e desvalorizar sem efectivamente refutar o que é dito, só vai alimentar o problema, e nunca resolvê-lo. Desenvolvermo-nos e mandar as ajudas às favas, isso é que era. No fundo, utilizar esta brejeira e europeísta tirada de andaime como alavanca para, como diria o Trump, “make putedo and vinhaça great again”! Mas agora basta de bravatas, que está aí a chegar mais um voo da KLM, e aquelas camas não se vão fazer sozinhas.
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