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No Palácio da Fonte da Pipa cabe todo o Algarve

27/1/2017

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Por Gonçalo Duarte Gomes

O já esperado (porque consequência natural do abandono) acidente no Palácio da Fonte da Pipa é, ele próprio, acendalha, lenha e gasolina para um outro fogo, que é o sempre tocante e muito amado pelas massas discurso condoído em torno de dramáticas perdas patrimoniais.

Na vida em geral, já o diz a sabedoria popular, prevenir vale sempre mais do que remediar. Quando tal não acontece, por doloroso que possa ser para este anestésico e alienante éter em que voluntária e alegremente nadamos e que se chama "politicamente correcto", estamos perante opções, e não acidentes.

Deixemo-nos então de tretas e, chamemos o boi pelo seu nome: o Palácio da Fonte da Pipa ardeu, e fomos nós quem ateou o fogo.


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Desde logo, arrisco dizer que a esmagadora maioria da população algarvia desconhecia a própria existência do palácio. E é fácil e compreensível que assim seja. Escondido na berma de uma estrada e mergulhado numa ainda mais obscura omissão do imaginário colectivo, partilha esse cantinho de esquecimento com outros elementos assinaláveis, como o chalet João Lúcio (que partilha com o agora esturricado palácio alguns traços de história comum, mas goza de uma vida bem mais viva) ou tantos outros imóveis notáveis.

Neste caso, nem mesmo a sua inclusão num ensaio de Gastão de Brito e Silva, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos em 2014 (“Portugal em ruínas”, disponível em qualquer Pingo Doce, pelo que não se trata de nenhuma obra exotérica ou inacessível) o resgatou desse oblívio.

Seguidamente, e em estreita relação, este caso mede a dimensão do fosso existente entre o opíparo e açucarado vocabulário que recheia os discursos oficiais sobre o tema e a prática de valorização do património. No papel e na verborreia, todos vivem o património como “memória colectiva”, “repositório de identidade” ou outros jargões análogos. No entanto, quando chega a altura de passar um cheque para sustentar tais pretensões (o eloquente "put your money where your mouth is") começa a derrapagem generalizada que redunda no estampanço da ruína.

O nosso orgulho investe-se antes em estádios e auto-estradas vazias...

É por isso que deixamos o tal valioso, inestimável, pessoal e intransmissível património à mercê de exercícios interesseiros. Como diria um consagrado intelectual de andaime, eles falam, falam, falam, mas não os vejo a fazer nada…

E, num aparte, quase apetece dizer que, quando fazem, mais valia estar quietos.

Faro, há uns anos valentes, foi alvo de uma campanha de alerta para a descaracterização urbana, que a designava como a “capital do mamarracho”, muito por culpa da descaracterização do parque imobiliário da Av. 5 de Outubro, onde as casas de traça mais ou menos notável (mas sempre identificável) foram dando lugar a mais modernaças e incaracterísticas torres de “flats”.

A coisa na altura, lembro-me, bateu com alguma força no amor-próprio da cidade, agitou mentes,  provocou a clássica discórdia entre os progressistas visionários (até o PCP vendeu a alma ao diabo capitalista) e os primitivos conservacionistas, gerou debate, e, coincidência ou não, a coisa pareceu de alguma forma abrandar.

No entanto, a conquista do inglório epíteto conheceu recentemente um novo capítulo, com a demolição de um conjunto de edifícios de início do Séc. XX na Rua Reitor Teixeira Guedes.
Era tudo Palácios da Fonte da Pipa? Era tudo marcos incontornáveis da arquitectura? Nem pensar. 

Mas o que não mata não deixa de moer, e das pequenas coisas também se vive.

Note-se que a crítica não vai para o valor do que lá vai nascer, mas antes para o sacrifício do que ali morreu, pese embora alguma mentes apenas funcionem em código binário: ou se oblitera velho para pôr novo (ruptura, avant-garde, saloiada, o que se queira), ou se deixa ao abandono, de vitória moral em vitória moral, até à ruína final.

Reabilitar com preceito, e a valer umas valentes notas – para que o pessoal arraçado de registadora não fique a pensar que apenas de lirismo se trata – é conceito inatingível...

Mas pronto, voltando ao palácio, configura-se neste caso uma amarga e irónica metáfora do que é este nosso Algarve das ocas e vãs aparências: vendemos a nossa identidade a especuladores – sem dúvida bem-intencionados, mas que, acima da filantropia, têm, com toda a legitimidade, uma meta a cumprir em termos de recheio do porquinho mealheiro – que a metem a marinar até que os zeros na conta bancária se alinhem na configuração certa.

​No entretanto, tudo se esvai em negligentes chamas, sobre cujas cinzas militante e inconsequentemente carpimos gordas lágrimas de crocodilo, lamentando o que não quisemos, não soubemos e, finalmente, já não podemos preservar.

A minha colega de pena Dália versou, e muito bem, sobre este assunto no seu apontamento desta semana. No entanto, a minha visão diverge do poético roubo de alma protagonizado pela noite.

Vejo, em seu lugar, uma muito humana, e nada etérea, decisão. A do deixa andar.

Desassombradamente, e em conformidade com a maturidade que reclamamos, temos que assumir o nosso património na sua plenitude, o que inclui as nossas proverbiais cagadas – perdoem-me o termo técnico – em termos de gestão (ou falta dela). Fazem parte, como diria Peter Latz, da sintaxe contemporânea das nossas paisagens.

O problema é quando o acidente de percurso se torna modo de vida. Aí verificamos, por muito que doa, que já não é defeito.

​É feitio.
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