Por André Botelheiro Falar do sofrimento alheio, seja de uma pessoa ou de mil, deve-nos obrigar a tento nas palavras que escolhemos. Opinar sobre o pouco que sabemos deve-nos exigir, sempre, autocensura e recato no discurso. A revolta e a cólera são naturais, mas más conselheiras.
O que importa já está irremediavelmente perdido – vidas humanas. Tudo o resto é acessório quando uma vida se perde. Catástrofe é pouco para definir o terror vivido nos últimos dias, desde sábado (hoje já é quinta feira e ainda não terminou), em Pedrógão Grande e nos concelhos vizinhos. A empatia para com o sofrimento de um compatriota faz parte do ADN de um povo. Não lidamos da mesma forma com a tragédia que ocorre num país distante face àquela que agora nos assola. Portugal contemporâneo, seja pela sua pequenez demográfica e geográfica, seja pela sua pouca influência no contexto internacional, ou seja, pela sua, como gostamos de acreditar, sorte lusitana, por comparação com outras nações, felizmente, tem pouca experiência em vivenciar estados coletivos de choque e de comoção. Só para exemplificar, pense-se em Espanha que nas últimas décadas vivenciou o terrorismo interno e, mais recentemente, o do autoproclamado Estado Islâmico. Independentemente das causas e motivos, cada ato perpetrado gerou inúmeras vítimas inocentes e, como tal, repetidos sentimentos de tragédia nacional. Esta (boa) falta de hábito para gerir situações limite, tem óbvios inconvenientes, bem patentes em setores com demasiada responsabilidade e impacto na construção da narrativa coletiva deste funesto acontecimento. Logo num primeiro momento, o Presidente da República veio elogiar a postura da comunicação social, parecendo prever o que estava para acontecer. Como que em jeito de reforço positivo, dissimuladamente, tentava sensibilizar os media para o necessário refreamento e respeito pelas vítimas e suas famílias. O imediatismo do jornalismo televisivo, que em Portugal é consumido abusivamente face aos demais meios disponíveis, com rapidez cedeu ao histerismo, o imperativo decoro dissipou-se nos diretos intermináveis e na prematura e ávida vontade de encontrar as causas, as falhas, os responsáveis e de fazer “rolar cabeças”. Há um tempo para “enterrar os mortos e cuidar dos feridos” e há um tempo para encontrar as respostas que se impõem. A comunicação social é essencial para estes dois tempos, mas não os deve sobrepor. No lado oposto, os responsáveis políticos dos partidos da oposição ao governo têm resistido a esta tentação de avançar já para o debate que se impõe fazer. Pode não ser ingénuo ou desinteressado este “sentido de estado”, sendo certo que todos têm muitas responsabilidades na matéria, mas demonstram maior habilidade em gerir situações de crise. Este trágico acontecimento ficará inevitavelmente na história pelos piores motivos. Mas saibamos, coletivamente, aprender com os erros, e à imagem do já citado Marquês de Pombal, aproveitemos para transformar não só a desorganizada e abandonada floresta e os esquecidos territórios rurais, de modo melhorar o combate à sina dos incêndios mediterrânicos. Mas impõe-se também maior protocolo no trabalho de quem nos ajuda a informar em momentos críticos como o atual. É que este fogo arde sem se ver.
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