Por Gonçalo Duarte Gomes Inspirado por recentes alusões a emirados arábicos, e pela convergência nesta semana de duas questões diametralmente opostas, a água e o petróleo, retorno aos traços desérticos presentes na identidade do Algarve. Água, não pela sua falta, e hidrocarbonetos, não pela sua abundância. Da água
Recentemente surgiram notícias relativamente aos esforços que Albufeira está a desenvolver no sentido de tentar mitigar as inundações que periodicamente afectam aquela cidade, estando bem presente na memória de todos o mais recente e calamitoso episódio, em Novembro de 2015. Justamente um ano depois, será apresentado o Plano de Drenagem da Bacia de Albufeira. Do que é já conhecido, salta à vista a construção de um novo túnel, que só na tuneladora estima um custo na casa de 15 milhões de euros. Mais a obra... Embora positiva, esta responsável atenção da autarquia relativamente a este problema omnipresente – por triste norma, só nos lembramos de Santa Bárbara quando há trovões, esquecendo rapidamente as tragédias – repete a aposta de colocar os ovos todos no mesmo túnel, quando boa parte do problema actual é entregar a fatia de leão da drenagem... no caneiro que segue ao longo da Avenida da Liberdade, ladeira abaixo, até à Praça dos Pescadores. Ora bem, se o anterior túnel falhou, o que é que se faz? Um maior. E quando este falhar? Principalmente quando a manutenção é coisa espantadiça da nossa cultura de gestão e, principalmente, dos nossos orçamentos? Não está aqui em causa a competência da equipa responsável pela solução, que seguramente, dentro do estilo, desenvolverá um projecto de qualidade. Muito menos a bondade da decisão. O princípio é que está errado. A partir daqui já nem interessa referir nomes, transversal que é o problema. Estrangular linhas de água não é prerrogativa ou exclusivo desta ou daquela localidade algarvia – aliás, a asneirada é nacional. Tentar sanar os problemas decorrentes da impermeabilização das bacias hidrográficas e da ocupação dos talvegues e leitos de cheias dos cursos de água através da canalização das águas para o mar, em ductos geométricos, o mais rápido possível, é uma ideia que tem o seu mais triste corolário nacional na ilha da Madeira. Em tempos comparei o processo de aceleração e acumulação de energia dos milhões e milhões de gotas de chuva que caem numa determinada área e não se infiltram, escoando superficialmente, a uma mistura de Fangio com o Hulk. Mantenho a comparação, acrescentando que tentar confinar tão infernal, ainda que metafórica criatura a um tubo, por muito grande que seja, vai dar raia. Ou porque o período de retorno foi além do calculado, ou porque o túnel estava sujo, ou porque a água trazia demasiado lixo e represou, ou porque a maré estava cheia, ou porque, ou porque... Dever-se-ia antes apostar na restituição dos perfis naturais das linhas de água e na criação de condições de permeabilidade que permitam a infiltração da precipitação. No fundo, em vez de ter preciosa água a fugir-nos para se perder, levando tudo à sua frente, permitir-lhe que cumpra a sua vital função ecológica. Estupidamente caro? Dramaticamente impactante nas malhas urbanas? Incontestável. Mas reconheça-se que desembolsar 25 milhões de euros para reconstruir baixas arrasadas de cada vez que chove um pouco mais, não é nenhuma pechincha. Se houver perda de vidas então... Em qualquer dos cenários, o que fica é mais um exemplo da socialização dos custos associados ao obsceno processo de edificação (não confundir com urbanização) que assolou boa parte das localidades algarvias, deslumbradas pelo progresso a la betoneira. Os proveitos? Esses ficaram na esfera privada, de especuladores e promotores imobiliários. Curiosamente, ninguém os ouve agora a voluntariarem-se para ajudar a pagar a factura. Dos hidrocarbonetos Para que não tenhamos mais promotores preocupados com os custos sociais de investimentos desadequados, que depois têm que fazer de conta que não vêem, a Plataforma Algarve Livre de Petróleo (PALP) promoveu uma petição contra a exploração de hidrocarbonetos no Algarve, que vai ser levada à discussão em plenário na Assembleia da República na próxima Quarta-feira, dia 26 de Outubro - estão a ser organizados grupos para a ida a Lisboa, de forma a sublinhar presencialmente a importância dessa discussão. Quem esteja interessado, encontra informação na PALP (www.palp.pt ou via Facebook). O facto de mais uma vez se discutir esta questão não representa, por si só, nada. Afinal de contas, já muito se falou e muitas posições foram tomadas. Mas muito dentro daquela brandura, tão nacional-porreirista, do “deixa lá ver para onde cai a coisa”. Se houvesse realmente vontade de evitar este retrocesso civilizacional que é a intensificação da carbonização do nosso cocktail energético, já teria sido feito. E dentro da legalidade – os contratos prevêem sempre mecanismos para a sua resolução. Tem custos? Obviamente, mas quanto mais cedo, menores. E aqui, mais do que noutras questões, há espaço para a afirmação política de opções ideológicas. O tempo dirá se são todos muito diferentes, mas no fundo todos muito iguais... Não discorrendo sobre a argumentação que me leva a considerar a exploração de hidrocarbonetos uma má ideia – talvez noutra altura – aponto apenas que me preocupa mais o bem-estar dos algarvios do que o turismo e que mesmo sem explorações, ninguém pode estar perfeitamente descansado com o Esquema de Separação de Tráfego Marítimo do Cabo de São Vicente aqui tão perto. E aquela palavra de admiração para quem acha que estudar o que se tem não faz mal, obstinadamente acreditando que há almoços grátis, e que a filantropia associada a um interesse económico directo na exploração dos recursos identificados é inocente – é mais ou menos como admirar o magnânimo gesto da EDP, ao dar-nos um magnífico Museu, construído com o nosso dinheiro... Quero apenas assinalar que se trata de uma vitória para a participação cívica no Algarve e para a mobilização social e de consciências em torno de uma causa legítima - a não confundir com outras trapalhadas que por aí andam... Que sirva de exemplo e inspiração.
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