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Algarve estufado, mas com um Aeroporto chamado Zézé

7/4/2017

4 Comentários

 
Por Gonçalo Duarte Gomes

Diz-se que o Algarve tanto faz cozido como assado, que é sempre bom.

Esta polivalência culinária exclui, no entanto, uma modalidade: o estufado.

Preocupado com essa lacuna no cardápio regional, anda para aí um pessoal a tentar complementar o menu com tal especialidade. Só que em vez de panelas... usa rolos de polietileno!
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Pois é. A expressão “isto está que parece uma estufa” ganha (literalmente) terreno a cada dia no Reino dos Algarves, com uma onda de plástico que está a varrer as nossas paisagens. São hectares e hectares de estufas que levam tudo à sua frente, qual rolo compressor.

Muitos frutos vermelhos, diz que é. Parece que os nórdicos gostam da fruta cá do sítio – sem malícia, lembrem-se que gajas e copos é só mesmo a Sul do Paralelo 45 – e vai daí, todo o metro quadrado serve para cravar umas armações e esticar uns quilómetros valentes de plástico.

Daí resulta uma alteração profunda da paisagem, não apenas em termos de imagem, mas também, e fundamentalmente, de processos ecológicos, já que esta plastificação implica a destruição do coberto vegetal existente e fauna associada – frequentemente pomares de sequeiro, que incluem figueiras, amendoeiras, alfarrobeiras e... oliveiras, que são o denominador comum do carácter Mediterrânico –, a alteração da topografia e a impermeabilização do solo. Depois, consoante a natureza da exploração, pode acarretar esgotamento desse mesmo solo por ciclos intensivos de cultivo (há a hidroponia, é certo) ou a adulteração/contaminação por fitossanitários, fertilização e/ou fertirrega - risco extensível a aquíferos e planos de água.  Destroem-se então sistemas altamente adaptados, implantando-se outros, com maiores consumos de recursos e mais significativos impactos.

Entre os quais a poluição que advém da normal substituição periódica (em intervalos mais curtos no Algarve, devido à intensa radiação solar) dos plásticos quando  estão degradados, ou da desactivação das estufas. Desde simples abandono na terra, contribuindo para a terrível poluição por fragmentação do plástico até à queima a céu aberto – óptimo para aliviar a congestão nasal, ouvi dizer – são vários os cenários dantescos oferecidos à nossa contemplação. Obviamente há também quem adopte os procedimentos correctos.

Outro aspecto complicado é também o das implicações sociais e humanas da mão-de-obra que é, regra geral, mobilizada. Acho estranho ninguém questionar como é que um contentor cheio de pessoas, vindo do outro lado do Mundo, fica tão barato. E, já agora, em que ponto é que os contentores substituíram as cegonhas nesta tarefa de distribuir seres humanos...

Há espaço para todas as actividades – o Algarve precisa de postos de trabalho, de apostar no sector primário e de diversificar a sua economia, sem dúvida – e as paisagens evoluem, mas desde que integradas, de forma equilibrada, num modelo adequado à vocação territorial.
 
Neste caminho, vai-se o nosso carácter, o que, a jusante, vai redundar numa metamorfose profunda e irreversível. Isso é mau? A mim parece ser, mas será uma reflexão colectiva que passará por cada um.

Seja como for, de pouco vale andar por aí a alardear as maravilhas da Dieta Mediterrânica, quando deixamos morrer a paisagem que a sustenta. Mais do que um instantâneo que se vende numa feira, esta dieta é parte e reflexo de uma vivência, de uma cultura, de uma forma de ocupar o território e de nos relacionarmos com os recursos e valores naturais.

Portanto, enquanto a importância da essência mediterrânica permanecer apenas na correcção política do discurso e não transitar para a prática da gestão das paisagens algarvias e para a própria forma como nos organizamos social e economicamente... tanto faz comer jantar de grão como hambúrguer.

É tudo artificial, e entre relva, betão e plástico, qualquer dia pouco ou nada sobrará dessa identidade mediterrânica.

Ainda assim, pelo menos do ponto de vista turístico, a coisa não será grave, pelo menos de acordo com um estudo recentemente divulgado, e que identifica o perfil de quem visita o Algarve. Diz que é, acima de tudo, turista “de afectos” – usa-se muito, hoje em dia. Portanto, mesmo que isto pareça um armazém de sacos de plástico num dia mau, a estrangeirada quer é mimo e cafuné, por isso é igual ao litro.

Ora, face a isto, impõe-se aqui uma paragem nas brincadeiras, e passar a falar de coisas sérias. Se o turismo é importante, e são os afectos que marcam a visita da estrangeirada, não vejo como ignorar por mais tempo a vaga de fundo que ruge nas redes sociais, e que glorifica quem de facto sempre deu aquilo que era afinal procurado: o Aeroporto de Faro não tem alternativa a não ser baptizar-se como Aeroporto Zézé Camarinha!

Poucos terão feito tanto na área dos afectos turísticos como o ícone portimonense! Resulta então da mais elementar justiça, comprovada pelo recente estudo (note-se que estamos no campo da ciência e já não apenas dos palpites), honrar a figura de um homem que teve razão antes de tempo, vendo além dos outros e diagnosticando a essência do turismo algarvio!

Menos sério é o também fresquinho anúncio de mexidas na legislação de avaliação de impacte ambiental (que na prática reinventam a roda, assando carapaus fritos) para se adequar às prospecções e explorações de hidrocarbonetos. Anunciado como uma vitória para a salvaguarda da qualidade ambiental, não passa de uma subscrição parlamentar de tais iniciativas, pois, se não fosse para avançar, para quê uma adaptação específica do regime jurídico? Teria sido bem mais útil, e transparente, uma clara e inequívoca afirmação política de qual o modelo energético preconizado para Portugal e para a região.

Mas, pelos vistos, acham que no Algarve andamos todos a comer frutos vermelhos com a testa...
4 Comentários
jose maria
8/4/2017 17:04:48

Muito bom!

Responder
Gonçalo Duarte Gomes
8/4/2017 18:35:01

Muito obrigado, José Maria.
Importa que as pessoas se envolvam nesta reflexão, não apenas como cidadãos, mas também como consumidores, pois nesse papel reside um tremendo poder de decisão.
O rápido e o barato - em todos os domínios - cada vez mais acarretam um custo oculto. Se os valores ambientais e humanos tivessem reflexo no preço, ninguém conseguiria pagar esta factura. Assim, pagamo-la, mas sem dar conta...

Responder
Isabel Lima Araújo
10/4/2017 07:53:25

Muito bem Gonçalo!

Gonçalo Duarte Gomes
10/4/2017 08:27:39

Obrigado, Isabel.
Não falei sequer do exemplo daquilo para que se caminha no Algarve, e que tu conheces tão bem, que é a realidade do litoral do Sudoeste Alentejano.
Como se explica aquilo a alguém que visite a suposta última costa selvagem da Europa?




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