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Bem-vindo

ALGARVE DA LENTIDÃO

2/2/2017

3 Comments

 
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Dália Paulo convida Lídia Jorge

O Lugar ao Sul iniciou em Dezembro a publicação de um conjunto de textos de autores convidados.  Hoje cabe-me a mim fazer o convite. Convidei Lídia Jorge, uma escritora incontornável no panorama literário mundial, algarvia de nascimento. Lídia Jorge é, hoje, uma das vozes que deve ser escutada, pela sua leitura acutilante e assertiva sobre o mundo que nos rodeia, pela sua intervenção cívica, pelo seu humanismo e pela sua capacidade de nos inquietar e, simultaneamente, de nos encantar. Estou (estamos) grata pela colaboração e por tornar este Lugar ao Sul mais plural.


Mesmo nos tempos que correm,  eu louvo a lentidão.

Uma lenda antiga dizia que um dia os deuses do Olimpo, cansados das durezas da guerra  e das batalhas do amor, deixaram o monte mágico onde residiam e voaram na direcção do extremo ocidental do mundo, para repousarem a cabeça sobre  doces colinas, areias brancas e águas plácidas. Esse travesseiro pacífico, segundo o conhecimento que então se tinha da  Terra, corresponderia,  naturalmente, ao Algarve. Se escutarmos o mar, talvez ainda hoje o som das ondas seja um eco das suas respirações  cansadas, que aqui ficaram para lembrar essas divinas sestas. Entretanto, o tempo passou, os deuses morreram e a lenda desapareceu,  mas o ritmo da  lentidão desses sonos ficou. Com algumas alterações maçadoras, claro.
Pois, entretanto, com muitas décadas de lento atraso, também aqui chegou a revolução industrial, que colocou relógios nas torres das igrejas, e sirenes nas fábricas,  campainhas nas escolas,  apitos tremendos nas locomotivas, e por fim chegaram os aviões atroando os ares. Uma maçada, a lentidão passou a ter horas. E que horas!  Se uma pessoa se descuidava, perdia o comboio e o avião.  Depois, aqui há uns anos,  a revolução electrónica pôs de lado  os ponteiros e os mostradores, os apitos e as sirenes, e  introduziu  os horários  com  um  chip  invisível, directamente, no interior do corpo  da pessoa, e logo a seguir a nossa vida passou a ser comandada por sincronias  em rede. O tempo passou a ser uma região  da histeria, e o cumprimentos ao minuto, uma prática imprescindível. O timing de uma reunião qualquer,  passou a ser um galope ao segundo. Primeiro fala o presidente, um minuto. Depois cumprimenta o delegado, trinta segundos, depois senta-se o secretário, outros trinta, depois fala o primeiro participante, cinco minutos e trinta e três segundos, e assim por diante. Calendário nórdico, rigoroso,  calvinista, luterano. Claro que o Algarve  quase mediterrânico, feito para a lentidão, com deuses cochilando e dormindo,  imita bem mas ressente-se. Não é fácil  incorporar semelhante galope . Estabeleceu-se entre nós uma contradição que merece ser estudada com seriedade.  Proponho  mesmo um congresso sobre LENTIDÃO/ SLOWNESS,   em que se debata este tema controverso, defendendo  as virtudes do nosso  ritmo lento. Lembramos países longínquos,  regiões  exóticas,  terras africanas que  um estreito mar separa.  Tudo isto é útil,  a nossa lentidão serve para vender e sonhar.
E no entanto,  há  aqui um   problema  difícil de equacionar, e  esta é a base da contradição que nos assiste.  Trata-se da questão do  incumprimento,  o vício dilecto  da lentidão. Francamente, nem   sei como explicar. Isto é, entre nós, à conta da lentidão, quem diz que aparece dentro de minutos, só surge dali a duas horas. Quem  diz que telefona amanhã, telefona dali a um mês. Quem marca uma sessão para dali a um mês, está a pensar que será realizada dali a três. Quem diz que fará uma obra em seis meses, está a querer dizer dezoito. Quem anuncia  uma escritura de compra e venda para dali a um ano, está a querer  dizer dez.  Uma estrada deve ser reparada em dois anos? Passados vinte, ainda lá estão os buracos, as setas e as vedações à espera.  O Ministro veio prometer uma reforma? Se atravessou o Alentejo e chegou ao Algarve, ele deve saber que virão dez outros ministros futuros  prometer exactamente o mesmo,  com as devidas alterações provocadas  pelo correr do tempo.  Até que um dia acontece, e os pais contam aos filhos as promessas que já ouviram aos avós dos filhos. Naquele tempo, meu filho,  prometeram  assim, era o tempo do teu avô.  Claro, ninguém  leva a mal, é um problema da lentidão. Por mim, quando há excepções, e o rapaz do gás chega na hora, o notário marca e cumpre, ou a  promessa de telefonar, escrever,  intervir,  acontece, preparo uma bandeja com copos, e saúdo à excepção  da excepção.  Apetece-me abraçar quem cumpre. Quem não confunde lentidão com incumprimento.  Sou suspeita, mas  em minha opinião,  este assunto  merece um colóquio e vinte conferencistas à mesa. Pois como é que se compagina esta herança de ritmo vago, lerdo, moroso, herdado do calor do sol e da sesta dos deuses cansados, com  um mínimo de cumprimento? Eu não sei como. Mas deve haver  quem saiba. O jovem que disse que chegava dentro de dez minutos, e chegou, e aqui está na minha frente, por certo  que sabe. Por certo que ele tem uma chave que roda e se chama respeito pelos outros. Eu mesma escrevi este texto apressado  para  enfeitar  o meu gosto pela lentidão com o desejo  de cumprimento, em face dos que me são  caros.


3 Comments
Joaquim Vairinhos link
2/2/2017 12:22:48

Querida Lídia adorei o texto. Será que a pós modernidade não trará para o Algarve a necessidade da lentidão genética característica .
Abraço amiga.
Joaquim

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Dália paulo
4/2/2017 18:25:38

Caro Joaquim,
Transmiti a sua mensagem à escritora Lídia Jorge.
Um abraço,
Dália

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Jery link
9/1/2021 13:03:41

Great blog yoou have here

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